São Paulo, domingo, 13 de março de 2011

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

CRÔNICA

Paulistano pode se orgulhar de viver numa época de ouro


O FATO DE TERMOS CHEGADO TÃO ALTO NA CADEIA ENGARRAFATÓRIA PARECE NOS EMPRESTAR CERTA SUPERIORIDADE MORAL


CHICO MATTOSO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Existem momentos em que a História parece se coagular, como se os esforços e talentos de diversas gerações se concentrassem num só tempo e lugar. Exemplo: não deve ter havido melhor ocasião para se entrar num clube de jazz que nos anos 50 em Nova York. O que dizer da Rússia do fim do século 19, quando gênios da literatura brotavam feito capim? Pois bem: no que diz respeito à centenária arte do congestionamento, o paulistano pode se orgulhar de estar finalmente testemunhando uma época de ouro.
Nós chegamos lá. Vivemos um momento histórico, pelo qual seremos lembrados ao longo dos próximos milênios. Não à toa, nossas conquistas já nos dão certa empáfia. É comum que o paulistano, ao ver-se preso no engarrafamento de outra cidade, exiba um esgar petulante, como se dissesse: "Isso não é nada. Queria ver esses caras lá na Anhaia Melo, numa quinta-feira de noitinha".
O fato de termos chegado tão alto na cadeia engarrafatória parece nos emprestar certa superioridade moral.
Vivemos a efervescência do novo, a arrogância de quem se sabe protagonista de uma revolução. A disseminação de aparelhos de DVD e videogames dentro dos veículos é só o primeiro indício de um processo inexorável de transformação social.
Pessoas dormem dentro dos carros para não perder a vaga no estacionamento; rádios de trânsito prosperam mais que as musicais; na hora do recreio, crianças discorrem sobre as fragilidades do sistema de medição de quilometragem da CET; a fila tripla virou uma realidade. Se tudo isso não configurar uma revolução, o que mais configurará?
Mas ainda há quem resista à marcha do futuro. Outro dia um amigo propôs ao analista que passasse a acompanhá-lo de carro ao trabalho.
O percurso dura mais ou menos uma hora, e ele pagaria o preço da sessão e o táxi da volta -sairia mais barato do que se locomover para o consultório na hora do rush, duas vezes por semana. O analista não topou. Insensibilidade histórica é isso aí.

CHICO MATTOSO é escritor


Texto Anterior: Frase
Próximo Texto: Análise: Se trânsito piora, as pessoas criam formas de lidar com o problema
Índice | Comunicar Erros



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.