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São Paulo, domingo, 13 de abril de 2003

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COMPORTAMENTO

Na fauna urbana, homens e mulheres agem como peruas, tigrões, cachorros loucos, gazelas, ursos e pit boys

Tribos paulistanas também se identificam com animais

PAULO SAMPAIO
DA REVISTA

É uma seleção natural: para garantir a sobrevivência da espécie na fauna diversificada da metrópole, os semelhantes se identificam, se juntam, ocupam territórios e compartilham códigos. Por analogia, algumas espécies acabam identificadas com animais: daí surgem peruas, tigrões, cachorros loucos, gazelas e, mais recentemente, os ursos.
Os bichos urbanos que compõem a fauna paulistana têm comportamentos peculiares que torna sua identificação fácil.

Elas andam nas nuvens
Gazela é um mamífero de pernas longuíssimas, olhar perdido e um jeito esquisito de se mover. É a única espécie humana que leva tombos e reaprende a andar depois de adulto. "Eu fazia teste para o Fashion Week e não passava. Demorei uns seis meses para aprender a andar", conta Virgínia Zambuzi, 1,08 m de pernas (1,78 m, 52 kg).
Para manter-se, uma gazela não come, só cisca. Zambuzi conta que teve de perder 20 quilos para virar modelo. Com o "book" numa mão e a mãe na outra, elas passam a adolescência fazendo o circuito agência, teste, desfile e fotos. "Book" mesmo, só o próprio. "Nunca li um livro inteiro, não tenho paciência de ficar parada", resume Marina Juchem, 15, 1,07 m de pernas.
Gazela iniciante tem mais horas de sala de espera do que de passarela e passa muita vontade. "Amo praia, mas não posso tomar sol; sou gaúcha, mas não como carne vermelha e adoro chocolate, mas tenho que maneirar", diz Francinni Veiga, 20.

O melhor amigo do cão
Pit boy é um ser bombado, de estrutura física sarada, cabeça raspada e que tem o mérito de tornar o cão pit bull e a luta de jiu-jítsu indissociáveis. "Tem gente que compra primeiro o cachorro, depois se matricula na academia. Faz parte da imagem de bad boy", define o estudante Guilherme Santos, 19, 43,5 cm de bíceps.
Cachorro bravo e músculos bombados são duas faces da mesma moeda. "Quanto maior você é, melhor a auto-estima, tá ligado? Eu já tive a cabeça raspada e me lembro que, quando eu esbarrava em alguém na balada, ouvia um pedido de desculpas, tipo: "Desculpaí meu, foi mal, belezaí..." Se você está acompanhado dos cachorros, aí ninguém chega perto", diz André Tullio, 23, dois pit bull.
Os pit boys elegem uma música-tema da categoria, "Retrato de um Playboy Parte 2", de Gabriel, O Pensador: "Sou playboy, filhinho de papai/Eu tenho um pit bull/E imito o que ele faz". Santos sintetiza: "É impossível não se identificar, meu!"

Garras sempre afiadas
A estatística associando moto e paquera diz muito quando se trata de definir o autêntico espírito tigrão: "Até mil cilindradas, 30% da cantada está garantida. Acima disso, você tem 90% [de chance" de levar a moça", acredita o engenheiro João Vilela, 56, divorciado, três filhos e uma namorada 19 anos mais nova.
Dono de uma reluzente Kawasaki 1.500, Vilela está 500 cilindradas acima dos 90%. Usa um óculos tipo "Homem Aranha", colete de couro, jeans e bota. O empresário Ronald Paciullo tem 200 cilindradas a menos de chances com as gatas: sua moto é uma Royal Star 1.300.
Os dois frequentam um circuito de bares do bairro Vila Olímpia que vira reduto de tigrões nas tardes de sábado e domingo, quando eles dão vazão a seu lado "boy".
"A gente é jovem no estado de espírito. A turma se reúne aqui no sabadão para fazer bagunça com os amigos, desestressar, e rola uma azaração também", diz o corretor César Cavalcante, 44, o Cavalka, que usa cavanhaque, rayban preto, jaquetão de couro com o adesivo de seu motoclube e calça jeans muito justa.

Pelúcia natural
"Bear", em inglês, quer dizer urso e, no universo homossexual norte-americano, também designa o gay gordo e peludo. A ideologia -reforçar a auto-estima dos gordinhos em um universo povoado por "bombados com barriga tanquinho"- conquistou seu espaço na fauna paulistana.
"Entre os gays, existe uma obrigação de ser sarado e quem não é dificilmente se sente à vontade dançando em uma boate", reclama Israel Copel, 31, 1,78 m, 115 kg.
Para se contrapor à estética dominante, eles fazem uma festa em um bar dos Jardins que, dizem, é frequentada por 50% de admiradores, os caçadores de ursos.
Eles dizem que se atraem por tipos físicos semelhantes e juram que dispensariam Brad Pitt para correr atrás do apresentador Jô Soares, que chamam de "urso polar" (gordo de pêlos brancos).

Plumagem de grife
Ela pode estar no deserto, na floresta ou na neve: contanto que haja uma possibilidade de gastar dinheiro, a perua sobrevive. Para ela, perdas pessoais são resolvidas indo às compras; perda de liquidações não são resolvidas nunca.
Ser humano desprovido de culpa, a perua desembolsa boladas se o objeto for de grife -e o dinheiro, do pai ou marido. "Sou machista e submissa, adoro um homem me dando ordens e pagando as minhas contas", diz Mônica de Lucca, 48, divorciada.
As peruas têm fixação por grifes, não apenas para roupas, mas até para médicos e cabeleireiros. Grife por grife, juntando tudo, no dia da entrevista Lucca estava vestindo mais de R$ 15 mil.

Malucos por carniça
O autêntico cachorro louco faz como Gilberto Restivo, 37, o Trem, e apresenta o atestado: múltiplas fraturas nas duas pernas, escobriações pelo corpo e alguns dentes quebrados. "Rodo 250 km por dia, passo a vida em cima da moto, de vez em quando eu caio. Na semana passada, atropelei um cara", conta Trem.
O apelido "cachorro louco" vem das manobras malucas com motos pequenas e barulhentas. O glossário da espécie inclui expressões como "tomei um chão" (queda), "levei um retrovisor" (batida), "pé de breque" (motorista barbeiro) e "montei uma cavala" (moto maior).
A maioria diz ser apaixonada pela própria moto, mesmo que seja uma "carniça" (pequena e torta, cheia de multas). Entre uma corrida e outra, comem um "dogão" ou, se estão no centro de São Paulo, vão a um restaurante que cobra R$ 1 pela refeição.


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