São Paulo, sexta-feira, 13 de abril de 2007

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BARBARA GANCIA

Feliz aniversário, Leonilson!

A Pinacoteca está exibindo 96 ilustrações feitas para a minha coluna, mas esqueceu de me mandar convite

A ESTAÇÃO PINACOTECA inaugurou a mostra "Leo, 50" para comemorar o cinqüentenário de Leonilson. Morto em decorrência da Aids em 1993, o artista teria completado 50 anos em 1º de março.
A exposição traz um pouco de tudo: esboços, desenhos e objetos do artista, que hoje é considerado o maior expoente da chamada "Geração 80". Traz ainda 96 ilustrações publicadas entre 1991 e 1993 em coluna que esta humilde datilógrafa que vos fala assinava no extinto caderno São Paulo, nesta Folha.
Quem for à exposição irá pensar que Leonilson já nasceu ilustrador ou que criar ilustrações para jornal faz parte da atribuição básica do artista. Não é bem assim. Leonilson tornou-se ilustrador de minhas colunas por conta da estima que nos unia, uma amizade forjada por insistência dele quando ainda éramos jovens demais para saber por onde a vida nos levaria.
Conheci Leo em uma festa, não lembro bem onde ou quando. Sei apenas que, no dia seguinte ao nosso primeiro encontro, ele apareceu na porta do meu prédio para me entregar o desenho de um piano, que guardo até hoje pendurado na parede. Meio sem saber o que fazer, eu o convidei a entrar. Não deu outra. Passamos a tarde conversando e começamos a ir juntos a festas, fins de semana na praia, esse tipo de coisa que a garotada faz.
Já éramos chapinhas quando Matinas Suzuki Jr., então secretário de Redação, me convidou para escrever uma coluna em um novo caderno que seria lançado pela Folha e pediu que eu lhe sugerisse nomes para ilustrá-la. Adivinhe? Leo topou na hora e suas ilustrações foram um sucesso imediato.
Até mesmo quando já estava muito doente e passava longas temporadas no hospital, Leonilson continuou a fazer as ilustrações. Eu lhe ditava o tema do dia e ele fazia o o desenho em nanquim, que tentava levar pessoalmente ao jornal (eram tempos pré-internet).
Mas veja como são as coisas. Depois da morte de Leonilson, uma briga horrorosa se instalou entre aqueles que se achavam detentores de seu legado. Nunca me meti nessa história e nem mesmo sei quem são os envolvidos. Só sei que, depois que Leo morreu, nenhuma dessas pessoas teve a delicadeza de me consultar.
Há coisa de dez anos, um livro com as ilustrações feitas para a minha coluna foi publicado sem que eu fosse ouvida. No ano passado, o editor Charles Cosac, da Cosac Naify, entrou em contato comigo, desculpou-se gentilmente, disse que estava sendo lançada uma segunda edição e perguntou se eu não queria escrever a apresentação, o que fiz com grande prazer. Foi a única vez, desde que Leo morreu, que alguém me chamou para dar um depoimento sobre nossa experiência conjunta.
Na atual exposição da Pinacoteca, 96 ilustrações feitas para a Folha foram usadas. Pois o nobre leitor acredita que, até agora, ainda não recebi meu convite?
É assim que se lida com o nosso patrimônio. Na base do mercantilismo, do interesse, da panelinha. Mas não pense o leitor que estou melindrada. Esse sentimento não faz parte do meu repertório. Apenas achei que estava na hora de dizer publicamente como a memória do meu amigo vem sendo tratada.

barbara@uol.com.br


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