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GILBERTO DIMENSTEIN
SOS Brasil
Neste ano, mas ainda
quando a imprensa quase
não falava em racionamento de
energia, viajei de avião ao lado
do empresário Antônio Ermírio
de Moraes e considerei-o levemente desequilibrado.
Desde São Paulo até Salvador,
onde estrearia sua peça "SOS
Brasil" -precisamente, da sala
de embarque no aeroporto até o
hotel-, foram quase cinco horas
de uma conversa repetitiva e, na
minha visão de ignorante assumido em questões energéticas, desinteressante.
"Vai ser um caos. Estou avisando há muito tempo o presidente e
seus ministros, ninguém parece
consciente do perigo", reclamava.
Em meio a termos técnicos e críticas à legislação e ao modelo de
privatização, fazia e refazia contas, lamentava que medidas "óbvias" fossem postergadas e apostava que o racionamento fosse
inevitável. Vislumbrava a população revoltada, aumento da inflação, fábricas ameaçadas de paralisação, crescimento do desemprego -e um presidente a tal
ponto abatido que a sucessão ao
Palácio do Planalto tenderia a favorecer a oposição.
Como costumo olhar com desconfiança visões catastróficas sobre o Brasil -em especial quando partem de empresários- ,
acomodei-me na minha ignorância energética e não escrevi uma
única linha sobre o assunto. Minha proficiência no tema limita-se ao ato de acionar o interruptor
para acender ou apagar a luz.
Raras vezes se produziu uma
crise tão elucidativa sobre os efeitos do casamento de desinformação com incompetência pública. É
daqueles casos que merecem ser
estudados em sala de aula, exemplar que é do modo como o cidadão pode ser vítima de problemas
previsíveis.
Apenas na semana passada altos escalões oficiais e a imprensa
expuseram, de fato, como o racionamento vai alterar o cotidiano
dos brasileiros.
Em clima de desespero, especulava-se sobre o impacto nas salas
de cirurgia de hospitais sem geradores. A Fundação Getúlio Vargas estimou a perda de 800 mil
empregos.
Teme-se que os semáforos não
funcionem; se o trânsito de São
Paulo já está como está, imagine
como ficaria com a sinalização
interrompida. Com sistemas de
alarme desativados, teme-se também a eclosão da criminalidade
nas regiões afetadas pela falta de
energia elétrica.
Os shoppings fechariam aos domingos, o que, para o paulistano
de classe média, significaria a redução de 50% dos espaços de lazer. Até mesmo os jogos de futebol
noturnos estariam ameaçados.
Tantas notícias fizeram com
que a população voltasse a prestar atenção às lições elementares
sobre a importância da energia.
Enquanto girava em torno dos
impactos da balança comercial, o
debate era difícil de entender,
mas fica muito fácil quando se
imagina um shopping fechado no
domingo ou um jogo de futebol
suspenso.
A grande lição, no entanto, é
que a falta de percepção de um
problema tão grave pode levar a
consequências catastróficas; poucos têm o direito de atirar a primeira pedra.
Vários artigos de especialistas
alertavam, há anos, sobre os riscos de racionamento, mas o tema
não subiu ao topo da agenda da
imprensa.
Sejamos honestos: se os governantes foram incompetentes (e
foram), a imprensa estava refém
da desinformação, não investigou
como deveria e não fez o barulho
que poderia.
Agora, quando os especialistas
ganham mais espaço, vemos como a crise estava anunciada, resultado de tantos erros e de tantas
omissões de diferentes governos
nas mais variadas dimensões.
O efeito do apagão é tão forte e
vai absorver tanta atenção da
opinião pública que tende a proteger, colocando no escuro os escândalos do presidente do Senado, Jader Barbalho, os empréstimos do ex-ministro Fernando Bezerra e as tramóias criminosas
dos senadores Antonio Carlos
Magalhães e José Roberto Arruda
durante a votação que cassou
Luiz Estevão.
Há uma boa e uma má notícia
para o presidente Fernando Hen-
rique Cardoso. A boa: com os
transtornos provocados pela escassez de energia, pouca gente vai
se importar com o bombardeio
em torno da CPI da corrupção.
A má: não adianta ele culpar
Collor ou Itamar Franco, usando
até argumentos técnicos. Diante
da maioria dos brasileiros, o presidente é o responsável; no mínimo, porque ele e os ministros não
fizeram o barulho que poderiam
fazer, advertindo o país dos riscos
de racionamento. Vai apanhar
mais, bem mais, do que apanharia da CPI da corrupção, cuja credibilidade estava afetada por ser
uma evidente manobra eleitoral.
Se achávamos que a corrupção
sai caro - e sai- ao país, é pouco diante do custo econômico e
social da redução do crescimento
causada pela escassez energética.
Nada custa mais que a incompetência e a desinformação, os
maiores desperdícios nacionais.
PS - A propósito, a peça "SOS
Brasil", de Antônio Ermírio, trata
justamente dos perigos da desinformação e da incompetência pública na vida dos cidadãos.
E-mail: gdimen@uol.com.br
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