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RESENHA
A Amazônia merece
JOSÉ SARNEY FILHO
A coleção "Folha Explica"
ganha mais um volume de
peso para subsidiar o debate de
temas da atualidade, aumentando assim a capacidade de crítica
da sociedade brasileira para o
enfrentamento dos principais
desafios que nos apresenta o século 21. O título em questão, "A
Floresta Amazônica", foi entregue às mãos de Marcelo Leite,
que já havia brindado a coleção
com o excelente "Os Alimentos
Transgênicos".
Sob a batuta do autor, a editoria de Ciência da Folha tem-nos
proporcionado informações e
análises de alto nível, principalmente no que diz respeito aos temas de conteúdo ambiental, tais
como mudanças climáticas, organismos geneticamente modificados, acesso aos recursos genéticos, gestão de recursos hídricos, entre tantos que compõem a
seara das preocupações ecológicas atuais. Tal desempenho resulta, na verdade, do esforço que
o autor tem consagrado ao aperfeiçoamento do jornalismo científico para o qual vem se dedicando nesses últimos anos.
A concepção de "A Floresta
Amazônica" pela mente abrangente do jornalista talvez seja, de
fato, a melhor expressão da multidisciplinaridade e da multisetorialidade que devem permear
o trato das questões ambientais.
A reunião dos pontos de vista
científico, econômico, social e
político para a construção do
texto propicia ao leitor um entendimento bastante amplo dos
fenômenos naturais e das ações
antrópicas que trouxeram a
Amazônia até os nossos dias.
Alguns ângulos de abordagem
também distinguem a obra do
que já foi, até agora, produzido
sobre o assunto. Sempre consideramos a floresta como uma
fonte de recursos, como fornecedora de matéria-prima. Porém o
que mostram os últimos estudos
e o que o autor "explica" muito
bem é que ela também nos fornece serviços essenciais. Sua
massa continental de vegetação
funciona, por exemplo, como
uma bomba de reciclagem de
água que resfria e umedece o clima e que mantém, em equilíbrio,
o regime hídrico de um quinto
da água doce do planeta, além de
fixar uma enorme quantidade de
carbono que, se transformada,
impulsionaria, sobremaneira, o
mecanismo do efeito estufa e das
mudanças climáticas. Esses são
apenas alguns dos serviços prestados pela floresta aos seres humanos e a sua atividade produtiva, sem nem sequer tocarmos na
questão da estocagem de biodiversidade.
A manutenção desses serviços
precisa ser, de uma vez por todas, incluída na planilha de custos da grande empresa humana
que faz uso direta ou indiretamente de seus benefícios. Esse é
um dos entendimentos que fica
muitíssimo claro para o leitor e
cumpre papel de fundamental
importância na formação da
opinião da sociedade em prol da
conservação da floresta. Esse tratamento está longe de se parecer,
no entanto, com o mito construído a partir da equivocada função
de "pulmão verde" atribuída à
Amazônia na década de 70, cuja
curiosa origem, aliás, é apresentada no livro, mostrando que,
com o episódio, falou-se pela
primeira vez, na esfera governamental, na necessidade de imprimir-se um valor real a um serviço prestado pela floresta.
Outro ângulo exaustivamente
investigado pelo autor diz respeito à reflexão sobre um modelo de desenvolvimento que direcione atividades econômicas
ambientalmente sustentáveis e
economicamente viáveis e que
promova a inclusão social e a
melhoria dos índices de bem-estar da população lá residente.
Quanto a esse aspecto, Marcelo
Leite não só apresenta suficiente
material para a crítica ao modelo
tradicional e insistente de desenvolvimento ainda promovido na
região, como também demonstra e argumenta muito bem sobre a viabilidade de caminho alternativo. Elege, com consistência de dados e argumentos, a atividade madeireira sustentável,
como setor da economia a ser
prioritariamente estimulado.
Não deixa de considerar o extrativismo de outros produtos florestais, o ecoturismo e a exploração dos recursos genéticos como
atividades viáveis. Pondera, porém, que seus resultados não terão suficiente efeito para promover um impacto positivo sobre o
emprego e a renda de toda a região, de forma a melhorar a condição social daquela gente, permitindo, ao mesmo tempo, a
conservação dos recursos e serviços florestais. Essa é, realmente, a avaliação mais exata da realidade econômica do lugar, tanto
que inspira a política que atualmente conduzo no Ministério do
Meio Ambiente. A percepção da
vocação florestal da Amazônia,
na quase totalidade de seu território, levou-nos a escolher a atividade madeireira manejada como carro-chefe da promoção da
sustentabilidade na região. Temos grande expectativa na mudança do perfil do setor madeireiro, com a substituição das tecnologias degradadoras pelas técnicas de manejo que conservam
a integridade da floresta. Estamos reformulando procedimentos para agilizar a apreciação dos
planos de manejo pelo Ibama e
estimulando a certificação florestal. Também criamos o Programa Nacional de Florestas,
oportunamente citado pelo autor, cuja meta é a implantação de
500 mil km2 de "florestas públicas de produção" que deverão
desestimular, paulatinamente, a
aquisição de terras pelos empresários, facilitando, para eles, o
processo produtivo e, para nós, o
controle sobre a atividade. Trazendo à tona a discussão sobre o
modelo de desenvolvimento, o
autor contribui, mais uma vez,
para a conscientização da sociedade sobre as possibilidades
amazônicas, por meio da difusão
de inúmeras experiências bem-sucedidas do ponto de vista econômico, social e ambiental, promovidas geralmente por ONGs e
em grande parte financiadas
com os recursos do Programa
Piloto para Proteção das Florestas Tropicais do Brasil, o PPG-7.
Nesse ponto cabe um esclarecimento: o PPG-7, financiado pelos sete países mais ricos do
mundo, está sob a coordenação
do Ministério do Meio Ambiente, o que caracteriza suas atividades como uma ação de governo,
planejada e propositadamente
direcionada para os fins que vêm
atingindo. Essa observação, no
entanto, em nada obsta minha
concordância com o autor,
quando este critica o desconhecimento dos "gabinetes de Brasília" sobre a realidade amazônica,
desconhecimento visível nos
planos arquitetados pela burocracia e distantes das demandas
por conservação e inclusão social que caracterizam o desenvolvimento sustentável. Nesse
aspecto, aliás, Marcelo Leite demonstra uma precisa compreensão sobre as forças que interagem no interior da administração pública, com influência direta sobre o crescimento da região.
Tenho deixado claro, em inúmeras oportunidades, que, apesar das ações promovidas pelo
Ministério do Meio Ambiente na
Amazônia, temos consciência de
que não controlamos as decisões
de outras áreas, cujas políticas
exercem forte impacto sobre o
bioma. Por essa razão temos
buscado manter entendimentos
e construir parcerias, com o intuito de contaminar todo o governo com preceitos conservacionistas, de forma a que políticas públicas, tais como incentivos fiscais e mecanismos de crédito, internalizem definitivamente a sustentabilidade como
parâmetro na tomada de decisão. Desse nosso esforço resultou o acordo com o Ministério
do Planejamento para que um
estudo de impacto dos eixos de
integração do Avança Brasil preceda, necessariamente, qualquer
encaminhamento das metas ali
estabelecidas. Faço essa ressalva
devido à grande preocupação
com a qual a obra trata os possíveis impactos dos eixos, detectados por estudos publicados nas
revistas científicas "Nature" e
"Science", que prevêem um aumento significativo do desmatamento, resultante das obras planejadas.
O que "A Floresta Amazônica", de Marcelo Leite, traz de
mais importante, no entanto, é a
desmistificação daquele ecossistema como uma entidade estática e passiva, feito um monumento que, por seus atributos estéticos, até hoje perpetuados, deva
ser preservado. A floresta é extremamente ativa e dinâmica e
seu atual estado de exuberância
é, na verdade, bastante recente,
quando avaliado pelo relógio
geológico, conforme o autor
mostra nas deliciosas passagens
em que as teorias e os achados
arqueológicos são analisados.
Toda essa vitalidade da floresta é
que define sua importância no
equilíbrio do ciclo hídrico, de
nutrientes e de biomassa, capaz
de influenciar, regional e globalmente, o clima e a economia.
Ao fim do livro é como se a floresta nos revelasse todo o seu
"metabolismo", deixando em
nossas mãos uma decisão que,
ao que parece, será definidora de
seu destino e da qualidade do futuro de nossa civilização. Revela-se a Amazônia como uma entidade viva, em constante transformação, capaz, sim, de abrigar
a intervenção humana, contanto
que esta se dê a favor do fluxo de
seus fenômenos ecológicos essenciais. Descortina, ao mesmo
tempo, toda a sua sensibilidade,
mostrando que sua vastidão não
é nenhuma garantia da perenidade de seus predicados.
Apesar de trazer 87% de sua
área ainda preservada, as alterações já realizadas estão sendo
conduzidas de forma tão violenta e incômoda ao seu "metabolismo" que todo o grande organismo florestal já se mostra
doente e capaz de influir negativamente nas condições hídricas,
climáticas e, portanto, econômicas, local e globalmente, segundo
mostram consistentes pesquisas
em andamento na região.
Trazer esse entendimento aos
leitores, chamá-los a revisar conceitos pré-estabelecidos, é o objetivo central do livro, que o autor deixa conhecer já na introdução. Ali também estabelece que,
devido à extensão e pluralidade
de aspectos envolvidos no tratamento do tema, fez a opção por
concentrar seu foco de atenção
nas interações mais imediatas do
ecossistema com sua população
humana e com o clima. Desnecessário dizer que tais objetivos
são plenamente alcançados, ficando superadas quaisquer expectativas criadas no início da
leitura.
Aconselho o conhecimento
dessas páginas a todos os que se
angustiam com o futuro do nosso imenso patrimônio florestal,
que, afinal, estava por merecer o
reconhecimento de seu enorme
valor, por meio de argumentos
contundentes, como os que essa
obra encerra.
José Sarney Filho, 43, advogado e deputado federal licenciado (PFL-MA), é
ministro do Meio Ambiente
"A Floresta Amazônica"
(Coleção "Folha Explica")
Autor: Marcelo Leite
Editora: Publifolha
Quanto: R$ 9,90 (104 págs.)
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