São Paulo, segunda-feira, 13 de maio de 2002

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AMBIENTE

Laudo de 2000 mostra que pesticidas e chumbo foram encontrados na água subterrânea de área residencial da Vila Carioca

Contaminação extrapola limites da Shell

MARIANA VIVEIROS
DA REPORTAGEM LOCAL

Ao contrário do que a Shell vem divulgando, a contaminação do subsolo e das águas subterrâneas da sua base de estocagem de combustíveis na Vila Carioca (zona sul de São Paulo) já ultrapassou os muros da unidade e chegou à área residencial circunvizinha.
Drins (pesticidas tóxicos que foram produzidos exclusivamente pela Shell) e chumbo (usado até meados dos anos 80 como aditivo da gasolina) em concentrações até 19 vezes acima do limite de intervenção (além do qual há riscos à saúde) foram encontrados no lençol freático abaixo dos quatro poços de monitoramento que a empresa perfurou nas ruas Colorado, Auriverde e Xingu.
É o que mostra o relatório "Avaliação Ambiental e Análise de Risco", concluído em setembro de 2000 pela CSD-Geoclok, empresa contratada pela Shell para avaliar e remediar o problema ambiental na Vila Carioca. O documento consta do processo jurídico que acompanha a ação civil pública na qual Shell e Cetesb (agência ambiental estadual) são rés.
O relatório, que tem cerca de 2.000 páginas, ainda está sendo avaliado pelos técnicos da Cetesb, mas a agência afirma que vai exigir novos poços de análise nas proximidades da área da Shell, para avaliar a extensão do dano.
Os poluentes estão acima dos parâmetros também num ponto dentro da área da Shell que fica praticamente na fronteira com as casas mais próximas do local.
Tanto os drins como o chumbo causam danos ao sistema nervoso e, dependendo do nível e do tempo de exposição, podem provocar câncer. Segundo toxicologistas ouvidos pela Folha, o risco é maior, porém, para quem consome ou consumiu a água subterrânea ou vegetais regados por ela.
Moradores que vivem na rua Colorado há mais de 50 anos afirmam ter usado água de poços até meados dos anos 70, período que coincide exatamente com o auge da contaminação da área.
O relato é confirmado pela diretora de Recursos Hídricos do DAEE (Departamento de Águas e Energia Elétrica do Estado de São Paulo), Leila Carvalho Gomes. Segundo ela, há ainda um agravante: os poços da região eram rasos, ou seja, captavam água mais perto da superfície, onde a concentração de poluentes é maior.

Borras enterradas
Os drins, fabricados por cerca de 30 anos numa unidade da Shell Química que se mudou para Paulínia no fim da década de 70, teriam sido enterrados, num trecho mais alto da base de estocagem de combustíveis, onde, nos anos 80, funcionou uma área social da empresa, que já foi desativada.
A contaminação pelos pesticidas só foi descoberta em 98, durante o processo de avaliação ambiental da unidade, em cujo solo foram enterradas borras de combustíveis contendo chumbo.
Análise da movimentação do lençol freático feita pela Geoclock indica que a água da antiga área social, situada num terreno mais alto, corre para a rua Colorado e adjacências, que estão num nível mais baixo. A Shell sempre sustentou que todas águas subterrâneas corriam no sentido contrário ao da área residencial, em direção ao Ribeirão dos Meninos.
Questionada sobre o que afirma o documento oficial, a empresa não mudou seu discurso.
A base de estocagem da Shell na Vila Carioca é o cenário do que pode ser a maior contaminação ambiental da cidade de São Paulo. Além dos pesticidas e do chumbo, foram encontrados no subsolo e nas águas subterrâneas de uma área equivalente a 25 campos de futebol benzeno, tolueno, xileno e etilbenzeno, substâncias presentes nos derivados de petróleo. Ainda não há registro, entretanto, de que esses produtos tenham atingido a área residencial.
A Promotoria de Meio Ambiente da Capital estima que a poluição, denunciada em 1993, possa afetar até 30 mil pessoas num raio de 1 km da unidade. O geólogo Antonio Gabriel Inglês, cuja empresa foi a primeira a trabalhar para Shell no caso da Vila Carioca, não descarta tal possibilidade.

Concentrações
No poço de monitoramento da rua Colorado, foi encontrado 0,26 micrograma de aldrin por litro de água, proporção quase oito vezes acima do limite dado pela Cetesb (0,03 micrograma por litro).
No mesmo ponto, único perfurado até agora na via, havia em 2000 uma concentração de chumbo de 0,12 mg por litro, 12 vezes o padrão, que é de 0,01 mg por litro.
A concentração de dieldrin na rua Xingu chega a ser 19 vezes maior que o limite de 0,03 micrograma por litro. A substância foi encontrada ainda na rua Auriverde (0,1 micrograma por litro). Na mesma via, que dá acesso à base da Shell, foi medido 0,08 micrograma de chumbo por litro de água, oito vezes o limite.



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