São Paulo, Domingo, 13 de Junho de 1999
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GILBERTO DIMENSTEIN
A idade da burrice

Depois dos 45 anos de idade, as chances de conseguir emprego de executivo são mínimas.
De acordo com levantamento da Catho, especializada em recursos humanos, apenas 9% das empresas contratam gerentes acima dessa idade - o levantamento é baseado em entrevistas com 1.356 empregadores.
Se analisarmos, pela mesma pesquisa, a faixa etária de 51 a 55 anos, a média despenca para 2%.
Um degrau acima, de 56 a 60 anos, atinge-se o patamar próximo de zero, mais precisamente, 0,65%.
Esses números revelam a idade da burrice, combinação de preconceito e ignorância -é mais uma face de uma sociedade excludente.
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Essa visão excludente é baseada em dados ultrapassados; prática antiga de apontar os mais velhos como imprestáveis e improdutivos.
O fato, porém, é que, com os avanços da ciência, seja da medicina ou da informática, foi redefinida não apenas a idade da velhice -mas o que é ser velho.
Em 1940, ou seja, pouquíssimo tempo atrás, a expectativa de vida do brasileiro era de 38 anos.
Em 1994, já tinha saltado para 66 anos; fechamos o século próximos dos 70 anos.
A expectativa de vida em todo o mundo não pára de crescer. Cientistas prevêem que, com os novos remédios, tratamentos genéticos, combinados com exercícios físicos e dieta saudável, viver 130 anos será comum.
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Com 40 anos, portanto, alguém está, hoje, no meio de sua vida; é como se tivesse 19 anos em 1940.
"A maturidade valoriza o trabalhador", afirma o headhunter A.H. Fuerstenthal, formado em psicologia na Suíça e naturalizado brasileiro.
Segundo ele, a maturidade está associada a experiência, estabilidade e autocontrole. "Os mais maduros estão mais abertos a se dedicar apenas a uma empresa", afirma.
Um detalhe: esse headhunter tem 86 anos, viaja todas as semanas e, até os 79 anos, jogava tênis.
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Se a medicina ajuda a alongar a vida, a informática transforma os poderes dos seres humanos, alongando seus limites intelectuais.
Transforma a tal ponto que está também redefinindo o que é ser deficiente físico; cegos, surdos, mudos, paralíticos ganham habilidades até então monopolizadas aos " normais", graças aos programas de computador.
O computar vai desobrigando as atividades repetitivas; deixa para a máquina o antigo "trabalho braçal" e mesmo a memória.
Passa a valorizar, assim, características mais profundas como intuição, sensibilidade, criatividade.
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Um exemplo doméstico, aqui mesmo na Folha, mostra com nitidez como a idade da burrice é perversa.
Fosse aplicado o critério da idade dos executivos para a contratação de colunistas, vocês não leriam textos que esbanjam vigor e criatividade.
Estariam eliminados, entre outros, José Simão, Clóvis Rossi, Jânio de Freitas, Cony, Celso Pinto ou Elio Gaspari.
Bela lógica. Nelson Mandela é capaz de libertar a África do Sul, mas não seria chamado para gerenciar uma fábrica de sapatos.
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Se na era da informação o que se valoriza é inteligência e experiência, excluir trabalhadores no auge do seu poder intelectual é sinônimo de burrice.
Se tiver dúvida sobre o tamanho da burrice, pegue um álbum de fotos antigas, veja uma mulher de 35 anos, na década de 40. Imagine-se dormindo com ela - e, depois, compare com uma mulher dessa mesma idade hoje.
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P.S. - O caminho mais rápido para envelhecer é investir na aposentadoria.
Sonhar em não fazer nada é, na prática, desejar a ausência de criação. Nenhum projeto pode ser mais medíocre. Para uns, mediocridade forçada por inexistência de alternativa; para outros, falta de grandeza.
Passar os dias sem produzir não é ideal de vida. É ideal de morte.
Se Fernando Henrique Cardoso tivesse sido mais habilidoso em sua frase, ressalvando aqueles que são forçados a se aposentar, teria emplacado a idéia de que o sonho da aposentadoria é uma visão vagabunda da existência.

E-mail: gdimen@uol.com.br


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