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SAÚDE MENTAL
Atendidos apresentam transtorno grave, mas fazem pequenos trabalhos e convivem com familiares e comunidade
Centro dá prioridade à ressocialização
DA REPORTAGEM LOCAL
Terça-feira, dia 8. Uma mulher
de 40 anos assiste à televisão, sentada no sofá com colegas, com o
guarda-chuva aberto. Calma, ela
explica que estava ouvindo vozes
que diziam coisas assustadoras,
mas que isso passou quando ela
protegeu-se embaixo do objeto.
"Abri o guarda-chuva e as vozes
foram embora", disse.
Terminado o programa de TV,
dona H. (os nomes são fictícios
porque os paciente pediram para
não serem identificados), apesar
de sofrer de transtorno mental
grave, voltou para a pensão onde
mora, no centro de São Paulo. Tudo na maior "normalidade".
Dona H. é uma das pacientes
atendidas no Centro de Atenção
Psicossocial (Caps) Luiz da Rocha
Cerqueira, a poucos metros da
avenida Paulista. O local é a maior
referência do país em tratamento
ambulatorial para portadores de
transtornos mentais.
O psiquiatra Jonas Melman,
presidente do Instituto Franco
Basaglia -uma associação que
reúne médicos, pacientes e familiares-, trabalha nesse Caps e explica que a maioria dos 700 pacientes atendidos no centro apresenta transtorno grave, mas nem
por isso deixam de fazer pequenos trabalhos e de viver perto da
família e da comunidade.
Para ele e todos os que defendem a desinternação dos pacientes, esses núcleos são "recursos
valiosos para substituir os hospitais". O Caps tem convênio com a
USP (Universidade de São Paulo)
e conta com diversos tipos de terapias e programas de atendimento.
O primeiro passo é fazer uma
análise da situação clínica do paciente e de suas relações familiares. Para Melman, cuja tese de
mestrado é sobre a importância
dos familiares no tratamento dos
pacientes com transtornos mentais, é "fundamental" que a equipe clínica saiba exatamente o nível de colaboração que a família
pode dar.
A enfermeira Sônia Bastos, doutora em psiquiatria, diz que as famílias tendem a rejeitar o paciente ou a pedir a sua internação como uma forma de livrar-se do
problema. As dificuldades são
maiores quando os parentes são
pobres e mal conseguem ter dinheiro para garantir o próprio
sustento.
Marcus Vinícios de Oliveira e
Silva, da comissão de direitos humanos do Conselho Federal de
Psicologia, diz que a pobreza dos
pacientes precisa ser levada em
conta na hora de pensar políticas
públicas para o setor, mas não é
possível resolver esse problema
simplesmente internando os
doentes mentais pobres em hospitais de qualidade duvidosa por
anos a fio.
Recentemente, o Caps Luiz da
Rocha Cerqueira criou mais uma
alternativa para seus pacientes:
alugou uma casa terapêutica na
rua Silvia, a poucas quadras do
centro de atenção.
Na casa, sete pacientes revezam-se em funções corriqueiras, como
lavar a louça, arrumar as camas,
fazer faxina e o mais importante:
tentar viver de maneira "normal".
Uma moradora já arrumou inclusive um trabalho de empregada doméstica. Vai e volta do serviço diariamente.
O morador L., 38, um rapaz de
aparência tranquila que passou
mais da metade da vida trabalhando como promotor de vendas, conta já ter passado por diversas internações.
Em crise, ele se torna agressivo e
acaba arrumando alguma confusão na rua. Em uma das internações, ficou amarrado por 18 horas. "Acho que esqueceram de me
soltar."
As internações de L. foram motivadas pelas brigas que ele arrumou na rua ou por indicação de
vizinhos, que achavam seu comportamento estranho e muitas vezes agressivo.
"Nos primeiros dias você quer
ficar no hospital, mas quando a
crise passa a maior vontade é ir
embora", diz L.
Ele e M., 28, outro morador, referem-se aos hospitais com palavras semelhantes às usadas pelos
detentos: prisão, castigo, medo e
horror.
(GABRIELA ATHIAS)
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