São Paulo, domingo, 13 de agosto de 2000


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SAÚDE MENTAL
Atendidos apresentam transtorno grave, mas fazem pequenos trabalhos e convivem com familiares e comunidade
Centro dá prioridade à ressocialização

DA REPORTAGEM LOCAL

Terça-feira, dia 8. Uma mulher de 40 anos assiste à televisão, sentada no sofá com colegas, com o guarda-chuva aberto. Calma, ela explica que estava ouvindo vozes que diziam coisas assustadoras, mas que isso passou quando ela protegeu-se embaixo do objeto. "Abri o guarda-chuva e as vozes foram embora", disse.
Terminado o programa de TV, dona H. (os nomes são fictícios porque os paciente pediram para não serem identificados), apesar de sofrer de transtorno mental grave, voltou para a pensão onde mora, no centro de São Paulo. Tudo na maior "normalidade".
Dona H. é uma das pacientes atendidas no Centro de Atenção Psicossocial (Caps) Luiz da Rocha Cerqueira, a poucos metros da avenida Paulista. O local é a maior referência do país em tratamento ambulatorial para portadores de transtornos mentais.
O psiquiatra Jonas Melman, presidente do Instituto Franco Basaglia -uma associação que reúne médicos, pacientes e familiares-, trabalha nesse Caps e explica que a maioria dos 700 pacientes atendidos no centro apresenta transtorno grave, mas nem por isso deixam de fazer pequenos trabalhos e de viver perto da família e da comunidade.
Para ele e todos os que defendem a desinternação dos pacientes, esses núcleos são "recursos valiosos para substituir os hospitais". O Caps tem convênio com a USP (Universidade de São Paulo) e conta com diversos tipos de terapias e programas de atendimento.
O primeiro passo é fazer uma análise da situação clínica do paciente e de suas relações familiares. Para Melman, cuja tese de mestrado é sobre a importância dos familiares no tratamento dos pacientes com transtornos mentais, é "fundamental" que a equipe clínica saiba exatamente o nível de colaboração que a família pode dar.
A enfermeira Sônia Bastos, doutora em psiquiatria, diz que as famílias tendem a rejeitar o paciente ou a pedir a sua internação como uma forma de livrar-se do problema. As dificuldades são maiores quando os parentes são pobres e mal conseguem ter dinheiro para garantir o próprio sustento.
Marcus Vinícios de Oliveira e Silva, da comissão de direitos humanos do Conselho Federal de Psicologia, diz que a pobreza dos pacientes precisa ser levada em conta na hora de pensar políticas públicas para o setor, mas não é possível resolver esse problema simplesmente internando os doentes mentais pobres em hospitais de qualidade duvidosa por anos a fio.
Recentemente, o Caps Luiz da Rocha Cerqueira criou mais uma alternativa para seus pacientes: alugou uma casa terapêutica na rua Silvia, a poucas quadras do centro de atenção.
Na casa, sete pacientes revezam-se em funções corriqueiras, como lavar a louça, arrumar as camas, fazer faxina e o mais importante: tentar viver de maneira "normal".
Uma moradora já arrumou inclusive um trabalho de empregada doméstica. Vai e volta do serviço diariamente.
O morador L., 38, um rapaz de aparência tranquila que passou mais da metade da vida trabalhando como promotor de vendas, conta já ter passado por diversas internações.
Em crise, ele se torna agressivo e acaba arrumando alguma confusão na rua. Em uma das internações, ficou amarrado por 18 horas. "Acho que esqueceram de me soltar."
As internações de L. foram motivadas pelas brigas que ele arrumou na rua ou por indicação de vizinhos, que achavam seu comportamento estranho e muitas vezes agressivo.
"Nos primeiros dias você quer ficar no hospital, mas quando a crise passa a maior vontade é ir embora", diz L.
Ele e M., 28, outro morador, referem-se aos hospitais com palavras semelhantes às usadas pelos detentos: prisão, castigo, medo e horror. (GABRIELA ATHIAS)



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