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RIO
Militantes de outros movimentos sociais criaram a versão urbana do MST; existem hoje na cidade mais de 3.000 moradores de rua
Sem-teto invadem reduto da classe média
PEDRO DANTAS
DA SUCURSAL DO RIO
Cerca de 650 famílias, que no
início do ano começaram a armar
seus barracos com sobras de material de construção em áreas carentes do Rio, chamaram a atenção do país nos últimos dias com
um ato de protesto inédito.
No dia 4, um grupo de 130 manifestantes, vindos dessas famílias, "passeou" no RioSul, um dos
mais tradicionais shoppings da cidade. Quase uma semana depois,
o mesmo grupo foi às "compras"
em um supermercado da Barra da
Tijuca, paraíso dos emergentes.
As manifestações do MTST
(Movimento dos Trabalhadores
Sem Teto) dividiram as opiniões
da classe média, que teve seu cotidiano invadido por pessoas que,
por sua aparência, destoavam do
cenário de longos corredores de
mármore e de prateleiras meticulosamente arrumadas.
Politicamente articulados, as lideranças do MTST apóiam as
causas de outros movimentos, como o dos estudantes.
A história dos acampamentos
Araguaia, em Campo Grande (zona oeste), e Nova Canudos, em
Nova Iguaçu (Baixada Fluminense) seria idêntica a de outras favelas e ocupações irregulares no
Rio, não fosse a presença de militantes vindos de diversos movimentos sociais interessados em
fundar no Rio a versão urbana do
MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra).
"Em 1997, o MST fez a marcha a
Brasília e mostrou que o povo tem
que se organizar. Percebemos que
os sem-teto das cidades tinham
de se unir em torno da reforma
urbana", afirma um dos coordenadores do movimento, que se
identifica como Erick Vermelho e
diz que seu nome verdadeiro foi
abandonado "há muitos anos".
Um estudo da Faperj (Fundação de Amparo à Pesquisa do Rio
de Janeiro) constatou, no ano passado, que havia 3.535 pessoas vivendo nas ruas da cidade. Dessas,
45% já tiveram um emprego com
carteira assinada, família e teto.
A população dos acampamentos, formada por desempregados
e jovens fugidos da violência doméstica, confirma o estudo.
Invadido no dia 26 de fevereiro,
o terreno da Prefeitura do Rio batizado de acampamento Araguaia
já conta com 300 famílias. A cada
dia, pelo menos um barraco é erguido, com tábuas de compensado, madeira e caixotes. Além de
Araguaia, região onde houve movimento de guerrilha, nome do
acampamento faz menção ao valão de esgoto que separa as casas
do asfalto.
"Eu e uma de minhas filhas pegamos pneumonia, os ratos invadem a casa quando chove, mas
acho que esse é o melhor lugar
que morei porque todo mundo se
ajuda", avalia a desempregada
Kátia Lúcia da Silva, 37, que foi
abandonada pelo marido e chegou ao Araguaia carregando cinco filhos pela mão.
Para se diferenciar das demais
ocupações irregulares, o MTST
dividiu tarefas entre os ocupantes
do acampamento Nova Canudos,
na Baixada Fluminense, uma das
regiões do Estado com o mais alto
índice de homicídios.
"Nosso dia a dia é mesma coisa
do programa "No Limite". Se eu
fosse para aquela ilha eu ganhava
mole", brinca a auxiliar de enfermagem, Márcia Dias Ferreira da
Silva, responsável pela coordenação de saúde do acampamento.
Além de Márcia, as 350 famílias
de Nova Canudos têm coordenações de infra-estrutura. É de responsabilidade delas a montagem
barracos de educação, para crianças em idade de alfabetização, de
almoxarifado, que administra as
doações, de limpeza, que tenta solucionar o lixo, e até de segurança.
Uma secretaria centraliza tudo.
"Depois que vim para cá, no dia
2 de abril, perdi a mulher e o emprego, mas, se quero minha casa,
tenho que lutar para isso", afirma
Nílson Pereira, 29, que dá aulas de
capoeira e tenta distrair as crianças do Nova Canudos com teatro
de fantoches.
Pereira já teve carteira assinada,
morou de aluguel e enfrentou o
pesadelo da inadimplência. Ele
acha que o acampamento foi a
melhor opção para quem só tinha
como alternativa viver nas ruas.
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