São Paulo, domingo, 13 de agosto de 2000


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RIO
Militantes de outros movimentos sociais criaram a versão urbana do MST; existem hoje na cidade mais de 3.000 moradores de rua
Sem-teto invadem reduto da classe média

PEDRO DANTAS
DA SUCURSAL DO RIO
Cerca de 650 famílias, que no início do ano começaram a armar seus barracos com sobras de material de construção em áreas carentes do Rio, chamaram a atenção do país nos últimos dias com um ato de protesto inédito.
No dia 4, um grupo de 130 manifestantes, vindos dessas famílias, "passeou" no RioSul, um dos mais tradicionais shoppings da cidade. Quase uma semana depois, o mesmo grupo foi às "compras" em um supermercado da Barra da Tijuca, paraíso dos emergentes.
As manifestações do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) dividiram as opiniões da classe média, que teve seu cotidiano invadido por pessoas que, por sua aparência, destoavam do cenário de longos corredores de mármore e de prateleiras meticulosamente arrumadas.
Politicamente articulados, as lideranças do MTST apóiam as causas de outros movimentos, como o dos estudantes.
A história dos acampamentos Araguaia, em Campo Grande (zona oeste), e Nova Canudos, em Nova Iguaçu (Baixada Fluminense) seria idêntica a de outras favelas e ocupações irregulares no Rio, não fosse a presença de militantes vindos de diversos movimentos sociais interessados em fundar no Rio a versão urbana do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra).
"Em 1997, o MST fez a marcha a Brasília e mostrou que o povo tem que se organizar. Percebemos que os sem-teto das cidades tinham de se unir em torno da reforma urbana", afirma um dos coordenadores do movimento, que se identifica como Erick Vermelho e diz que seu nome verdadeiro foi abandonado "há muitos anos".
Um estudo da Faperj (Fundação de Amparo à Pesquisa do Rio de Janeiro) constatou, no ano passado, que havia 3.535 pessoas vivendo nas ruas da cidade. Dessas, 45% já tiveram um emprego com carteira assinada, família e teto.
A população dos acampamentos, formada por desempregados e jovens fugidos da violência doméstica, confirma o estudo.
Invadido no dia 26 de fevereiro, o terreno da Prefeitura do Rio batizado de acampamento Araguaia já conta com 300 famílias. A cada dia, pelo menos um barraco é erguido, com tábuas de compensado, madeira e caixotes. Além de Araguaia, região onde houve movimento de guerrilha, nome do acampamento faz menção ao valão de esgoto que separa as casas do asfalto.
"Eu e uma de minhas filhas pegamos pneumonia, os ratos invadem a casa quando chove, mas acho que esse é o melhor lugar que morei porque todo mundo se ajuda", avalia a desempregada Kátia Lúcia da Silva, 37, que foi abandonada pelo marido e chegou ao Araguaia carregando cinco filhos pela mão.
Para se diferenciar das demais ocupações irregulares, o MTST dividiu tarefas entre os ocupantes do acampamento Nova Canudos, na Baixada Fluminense, uma das regiões do Estado com o mais alto índice de homicídios.
"Nosso dia a dia é mesma coisa do programa "No Limite". Se eu fosse para aquela ilha eu ganhava mole", brinca a auxiliar de enfermagem, Márcia Dias Ferreira da Silva, responsável pela coordenação de saúde do acampamento.
Além de Márcia, as 350 famílias de Nova Canudos têm coordenações de infra-estrutura. É de responsabilidade delas a montagem barracos de educação, para crianças em idade de alfabetização, de almoxarifado, que administra as doações, de limpeza, que tenta solucionar o lixo, e até de segurança. Uma secretaria centraliza tudo.
"Depois que vim para cá, no dia 2 de abril, perdi a mulher e o emprego, mas, se quero minha casa, tenho que lutar para isso", afirma Nílson Pereira, 29, que dá aulas de capoeira e tenta distrair as crianças do Nova Canudos com teatro de fantoches.
Pereira já teve carteira assinada, morou de aluguel e enfrentou o pesadelo da inadimplência. Ele acha que o acampamento foi a melhor opção para quem só tinha como alternativa viver nas ruas.



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