São Paulo, terça-feira, 13 de agosto de 2002

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MARILENE FELINTO

Candidatos da ignorância: Maluf, Collor, Rosinha

A diarista chegou - "diarista" é um eufemismo para "faxineira" ou "peniqueira", como se dizia lá no Nordeste, sinônimos horríveis para "empregada doméstica". Ela é dura, calada, revoltada. Eu, também. Daí nos darmos bem, cada uma na sua. Uma amiga minha, professora brilhante, atarefadíssima, escritora, mãe de dois filhos, sempre se recusou a ter empregados domésticos de qualquer tipo. "Não aguento a luta de classes dentro da minha própria casa", explica.
Não me meto na vida da faxineira. Ela não se mete na minha. Tudo certo, a não ser porque às vezes eu a provoco (e porque, às vezes, ela me pede aumento no valor da diária).
"Vai votar em quem este ano?", perguntei. "Em ninguém. Já disse que não dou confiança a político". É paraibana, mora em Diadema (Grande São Paulo), tem dois filhos, faz o curso supletivo de noite.
"E teu marido?", continuei, querendo briga. Respondeu que o homem vota em Maluf, candidato ao governo de São Paulo. O marido trabalha como "entregador" de galões de água mineral e é semi-analfabeto.
"E você, acha que está certo ele votar em Maluf?", continuei, cética. Ela disse "é claro que não". E completou: "Ele só vota no que não presta. É Maluf, é Collor. Eu já disse que ele precisa é trabalhar mais para botar dinheiro em casa. Desse jeito, eu ganhando mais que ele, não dá."
Preparei-me para um discurso: "Você sabia que Maluf, Collor, Garotinho, a mulher dele, Rosinha, são populistas? Sabe o que é um político populista? É gente que se aproveita da falta de estudos dos mais pobres para mentir, fingir que está do lado deles. São os candidatos da ignorância."
E prossegui: "Por que você não manda teu marido ir estudar também? Só assim ele ia enxergar as coisas como elas são. Por acaso ele sabe que está fazendo pacto com o inimigo quando vota nesses populistas? "
Ela estava no alto da escada, limpando os armários da cozinha, uma expressão tensa no rosto. Continuei: "Você sabia que os candidatos populistas são alvo de desconfiança até das próprias pessoas que votam neles? O que você acha disso? Em São Paulo, por exemplo, os malufistas são considerados também racistas. Está tudo aqui neste livro (mostro o livro: "O Malufismo", de Mauricio Puls, da série Folha Explica). Pesquisas já mostraram que existem dois tipos de malufistas: os pobres e sem escola, como teu marido, e os ricos racistas. Os malufistas ricos de São Paulo odeiam nordestinos. Você sabia? Pois é, teu marido vai votar contra você mesma!"
Ela insinuou um argumento, um "ele é burro mesmo", mas eu não deixei, segui na verbiagem solitária: "Populista é tudo gente fora da lei. São sempre acusados em casos horrorosos de desvio de dinheiro público, enriquecimento ilícito e outras sacanagens. Sabe quantas vezes Maluf já perdeu eleições? Candidatou-se dez vezes, perdeu sete. De alguma coisa o povo sabe."
E concluí: "Quer saber, Lucinda, candidato populista só tem tromba. Teu marido vota na tromba. Vai morrer num fundo de quintal em Diadema ou num daqueles chiqueiros de porcos que Maluf construiu na beira das marginais fétidas, para meia dúzia de favelados viverem, e que chamou de Cingapura. Obra de fachada, para esconder o favelão que continua lá atrás. Está aí, cheia de irregularidades, caindo aos pedaços."
Sugeri que ela continuasse estudando, do contrário, eu poderia despedi-la. "Continuar no estudo eu vou, porque quero e é bom pra mim. Mas não tem estudo que mude minha idéia. Político é tudo uma cambada de gente safada. Qualquer um."

E-mail - mfelinto@uol.com.br


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