São Paulo, quinta, 13 de agosto de 1998

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OPINIÃO
Uma política para moradores de rua

DENIZ FERREIRA RIBEIRO

Muito tem sido comentado sobre moradores de rua nos últimos tempos. A sociedade começou a notar que nas esquinas de cada rua, debaixo dos viadutos e das marquises, nas praças, nos canteiros dos jardins e nas vielas havia pessoas -adultos ou crianças.
Essa presença, mais comum na área central da cidade, onde escasseiam as residências, ganhou espaço nos meios de comunicação proporcionalmente muito maior do que sua real importância numérica. Afinal, são poucos milhares de pessoas entre os milhões que vivem na metrópole. Hostilizados pela esmagadora maioria da população, acabam se concentrando justamente nas regiões onde a maior parte evita morar.
Esse fenômeno não é novo, nem paulistano, nem mesmo brasileiro. Ocorre nas grandes metrópoles do mundo. São pessoas desajustadas dos padrões de comportamento adotados pela maioria da sociedade. Rejeitam, por motivos vários, o modelo de estruturação familiar usado universalmente pelos seres humanos. Não lutam por moradia nem almejam trabalho. Têm como referência existencial outros fatores, com os quais nem sempre guardam coerência.
Trata-se de uma condição humana de difícil abordagem do ponto de vista técnico, quando os profissionais da assistência social se empenham em desenvolver algum trabalho. Não obstante, embora baixos, os percentuais de recuperação alcançados incentivam a continuidade dessas ações. Como na grande metrópole esses indivíduos podem viver em completo anonimato, nesse particular o grande centro também exerce o seu papel sedutor.
Para atualizar informações, a Secretaria Municipal da Família e do Bem-Estar Social desenvolverá neste ano um trabalho de pesquisa e cadastramento dos moradores de rua de São Paulo. No último trabalho desse tipo, realizado há dois anos, os dados revelavam uma população de rua preponderantemente masculina, em plena idade produtiva, de 19 a 44 anos, dando conta ainda de que 60% têm escolaridade precária (1º grau incompleto). Com relação à procedência, 70% são oriundos de Minas Gerais e do Nordeste.
Embora a maioria da população seja hostil à própria existência dos moradores de rua, a consciência clara de que o poder público tem responsabilidades fundamentais no aprimoramento da democracia levou a Prefeitura de São Paulo a dedicar esforços crescentes ao atendimento dessas pessoas, mormente nos últimos cinco anos.
Instalamos albergues, ampliamos as vagas, demos caráter permanente a esse atendimento -não só no inverno, mas durante o ano todo- e buscamos melhorias na qualidade dos serviços.
No inverno presente, por determinação do prefeito Celso Pitta, os albergues municipais estão oferecendo vagas suficientes durante o período da Operação Inverno, o que tem tornado possível atender à demanda. Neles há leitos individuais, com colchão e cobertor, além de alimentação completa à noite e pela manhã. Além disso, estão disponíveis sanitários, banheiros e guarda-volumes.
O poder público municipal faz sua parte na busca da construção de uma sociedade mais equilibrada. Temos também a preocupação de desenvolver um trabalho de promoção social, com o objetivo de reintegração desses indivíduos a uma vida normal.
Lamentavelmente, os ventos que sopram do Planalto Central só têm trazido discursos como forma de contribuição. A falta de ações concretas que criem mais postos de trabalho e a prática de políticas inibidoras da expansão da atividade econômica, que caracterizam a fase posterior ao bem-sucedido plano de estabilização da moeda, têm contribuído negativamente para alcançar aquele objetivo.
Embora não haja correlação direta e numericamente proporcional, é de esperar que a população de rua tenda a se expandir com a persistência da recessão econômica -e, inversamente, que tenda a diminuir a partir do dia em que o país voltar a crescer.


Deniz Ferreira Ribeiro, 57, é secretário municipal da Família e Bem-Estar Social de São Paulo



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