São Paulo, sexta-feira, 13 de setembro de 2002

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Arredores de Bangu 1 vivem disputa

MÁRIO MAGALHÃES
DA SUCURSAL DO RIO

Pouco mais de uma hora depois que os primeiros clarões de luz surgiram no horizonte do Complexo Prisional de Bangu, ontem de manhã, a mulher de um preso que chegava para o único dia semanal de visita cantarolou para outras mulheres de presos: ""Bangu 1 quebrou no meio...".
Algumas a acompanharam. ""Vim com isso na cabeça desde casa", disse. ""É um pagode cantado pelo Bezerra da Silva."
Não quis revelar a identidade, como as amigas. Como quase todo mundo do lado de fora do conjunto de presídios e casas de custódia onde o prédio dito de segurança máxima, Bangu 1, estava rebelado desde a véspera.
No mesmo bar da cantoria, em frente ao portão do complexo, uma mulher começou a gritar. Ela temia que o levante liderado por Fernandinho Beira-Mar impedisse o encontro com os detentos das demais unidades carcerárias.
""Usam 200 homens para levar o Fernandinho ao fórum. Com os outros presos, vão só três guardas. E param no caminho, levam para o mato e batem neles. Quem botou dinamite [na verdade, um simulacro de granada" em Bangu 1? Não fui eu, que com mais de 50 anos fico pelada para poder entrar." Abaixou-se, então, de cócoras, reproduzindo a posição que se diz obrigada a repetir nas revistas antes de entrar.

Urros e vaias
Em outra mesa, as mulheres dos presos da casa de custódia Bangu 5 inscreviam seus nomes num papel à medida que chegavam. Elas substituem, determinando a ordem das visitas, um trabalho que deveria ser feito por guardas penitenciários.
Longe da mesa delas, perto da televisão, dezenas de outras visitantes se dividiram em urros e vaias de acordo com a imagem que aparecia na tela: a de Beira-Mar ou a de outro traficante, Uê, morto pelo líder da rebelião.
As mulheres também se repartem conforme a organização criminosa dos companheiros.
A maioria foi de ônibus. Muitas com filhos. Não apareceu de manhã a que, na véspera, esteve em frente ao complexo em um Mercedes Classe A. Seria, segundo a polícia, mulher de um preso.
Na mesma tarde anterior, num bar ao lado com duas máquinas de videopôquer, parentes e amigos dos rebelados de Bangu 1 batiam palmas e comemoravam quando alguém passava de carro ou a pé e gritava: ""A ADA acabou!". A dez metros de distância, policiais militares só observavam.
A mais de 1 km, em Bangu 1, tremulava a bandeira vermelha colocada pelos presos do Comando Vermelho. O acesso aos jornalistas foi proibido desde a noite de anteontem. Três odores se destacam diante do complexo: o do lixão próximo, de esgoto e dos milhares de frangos vivos que passam em caminhões -trata-se de uma região ainda um pouco rural, na zona oeste do Rio.

Advogado de Uê
No portão, dezenas de jornalistas, mais do que os amotinados de Bangu 1, esperaram notícias na longa jornada noite adentro. Às 20h36, um advogado (nem este quis dizer o nome) de Uê reclamou porque não pôde levar o corpo -só liberado ontem.
Às 22h47, saiu do complexo a advogada Valeriana Canuto, defensora de Celsinho da Vila Vintém, também preso de Bangu 1. "Celsinho está vivo, mas outras famílias estão desesperadas. Não sabem quem morreu."
O agente penitenciário Paulo Roberto Ferreira disse à 0h01, sobre os indícios de corrupção entre seus colegas: ""Peguem um latão com água cristalina. Se alguém puser uma gota de querosene, ninguém vai beber. Há quem seja como querosene".
Em seguida, à 0h19, uma jovem encapuzada que se apresentou como sobrinha de um preso chamou os jornalistas para pedir que as autoridades estaduais permitissem a entrada do pastor Marcos [religioso acostumado a negociar rebeliões em presídios" em Bangu 1. Um travesti em sua companhia fez apelo igual.
Na madrugada, a temperatura de menos de 20 graus Celsius fez com que um PM usasse luvas de lã. As luzes do complexo apagaram três vezes, deixando tudo na escuridão.
Durante toda a madrugada e a manhã, a guarita destinada à observação privilegiada ficou vazia, sem um policial sequer.


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