São Paulo, Quarta-feira, 13 de Outubro de 1999
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POLÍCIA
Representantes da promotoria dizem ter sido perseguidos por policiais após achar indícios de maus-tratos
Promotor apura tortura e é ameaçado

CARLOS HENRIQUE SANTIAGO
da Agência Folha, em Belo Horizonte

Três promotores de Belo Horizonte relatam e apuram um caso que, se confirmado, revela a que ponto é capaz de chegar o descontrole policial em matéria de tortura.
Eles dizem ter descoberto uma sala em que presos eram torturados dentro da DCP (Divisão de Crimes contra o Patrimônio). Sem que pudessem fazer o flagrante, foram retirados do local, sob alegação de que havia uma rebelião -que, sustentam, foi estimulada pelos próprios policiais.
Na saída, encontraram seu carro oficial fechado por veículos da polícia. Fugiram então a pé e foram perseguidos e xingados por policiais civis de arma em punho.
"Fui chamada de piranha, de prostituta", lembra a promotora Inês Maria Dutra e Silva, que atua na Vara de Execuções Penais como os dois outros colegas envolvidos. Segundo ela, o chefe do Departamento de Investigações de Minas Gerais, delegado Otto Teixeira, ao qual a DCP está subordinada, chegou nesse momento, e eles entraram no carro dele.
O veículo do Ministério Público teve a pintura riscada com palavrões, os pneus rasgados e equipamentos furtados.
O atual titular da DCP, Marcelo Machado, disse que condena a atitude dos policiais contra os promotores, mas nega que tenha havido tortura e que a rebelião tenha sido provocada. Segundo ele, o local é um "barril de pólvora, pois as celas têm capacidade para 80 detentos, mas, no último dia 24, havia 378 presos".

Método conhecido
O caso começou no dia 24 de setembro, quando o preso Marcelo Soares de Souza disse ter sofrido tortura na DCP e avisou que outro detento passava pelo mesmo processo naquele dia.
A promotora Inês, o promotor Octávio Augusto Martins Lopes e outra colega se dirigiram à divisão. Em um cômodo, encontraram indícios de tortura: uma barra de ferro, um interruptor com os fios descobertos, panos molhados e amarrados por um nó, pneus velhos e um chuveiro.
Depois disso passaram a conversar com os presos. Foi então anunciada a rebelião na carceragem, e os policiais disseram não ter como garantir a vida dos promotores, que deixaram o local sem levar as provas.
O preso Marcelo de Souza disse que foi torturado pelo então delegado titular da DCP, Anderson Bahia, pelo investigador José Maria "Cachimbinho" de Paula e por mais dois policiais não identificados.
"Cachimbinho" é citado no dossiê "Brasil Nunca Mais" como autor de torturas durante o regime militar (1964-1985).
Em juízo, o preso político Ângelo Pezzuti da Silva, que morreu no exílio, disse que foi torturado em 1969, no interior da Delegacia de Furtos e Roubos -denominação na época da Divisão de Crimes contra o Patrimônio.
Pezzuti disse que foi torturado no pau-de-arara, com choques elétricos e "hidráulica", por "José Maria da Delegacia de Furtos e Roubos de Belo Horizonte" e outras pessoas.
No depoimento, ele disse "que a hidráulica se processa da seguinte forma: o indivíduo, de cabeça para baixo, tem introduzida na sua narina e tamponada a boca de um tubo pelo qual se destila a água" e "que o processo leva ao afogamento ou à tortura".
Essa descrição confere com a descrição da tortura na DCP que um preso fez ao promotor Lopes: a vítima é pendurada na barra de ferro, sua boca é amordaçada com o pano e ele é sufocado com água no nariz. Os pneus serviriam para evitar que o preso se machuque gravemente no caso de uma queda do pau-de-arara.
A denúncia do Ministério Público foi apresentada na quinta-feira passada à Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa de Minas Gerais, que encaminhou o relatório dos promotores à Anistia Internacional.
A Procuradoria de Justiça nomeou comissão para apurar a suposta torturas de presos.



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