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São Paulo, quinta-feira, 13 de novembro de 2003

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PASQUALE CIPRO NETO

Todo jornal britânico é sensacionalista?

O príncipe Charles está sob fogo cruzado -mais uma vez. Há algumas semanas, a imprensa (sobretudo a britânica) fala de escândalos sexuais em que o príncipe estaria envolvido.
Dia desses, num jornal de televisão, foi lida uma notícia da qual fazia parte este trecho: "Os jornais britânicos (,) que gostam de uma fofoca...". Não estranhe a vírgula entre parênteses, caro leitor. Ela está ali justamente porque nosso assunto de hoje será o emprego desse sinal de pontuação em casos como o da frase do telejornal.
Para começar, precisamos relembrar uma velha questão: a diferença entre restringir e generalizar. Quem diz "Não gosto de vinho", por exemplo, afirma que, se é vinho, nada feito. Quem diz "Não gosto de vinho alemão" não diz que não gosta de vinho; diz que não gosta de certo vinho. O adjetivo "alemão" restringe a extensão do substantivo "vinho".
Agora, volte à frase do telejornal, por favor. Releia-a e analise o papel da oração "que gostam de uma fofoca". Que tal? Você diria que essa oração se refere a todos os jornais britânicos ou que seu papel é justamente o de restringir o universo de jornais britânicos?
Pois é exatamente aí que entra a bendita vírgula. É a presença (ou a ausência) dela o que decide o sentido do texto. Sem a vírgula ("Os jornais britânicos que gostam de uma..."), a oração "que gostam de uma fofoca" assume caráter restritivo: não se fala de todos os jornais britânicos, mas apenas dos que gostam de fofoca.
Note a semelhança que há entre o caso que acabamos de ver e o do vinho. Não há vírgula entre "vinho" e "alemão" em "Não gosto de vinho alemão", justamente porque o papel de "alemão" é restringir o substantivo "vinho".
Se houvesse vírgula antes do "que" ("Os jornais britânicos, que gostam de uma..."), a oração "que gostam de uma fofoca" assumiria caráter generalizador: atribuir-se-ia a todos os jornais britânicos a pecha de fofoqueiros. É claro que não serei eu quem decidirá se deve ou se não deve haver vírgula nesse caso. A decisão depende do sentido, do que se quer dizer.
No caso de um telejornal, não sei se a melhor solução é virgular ou não. Por melhor que seja, a leitura do apresentador pode não ser suficientemente esclarecedora, sobretudo no caso em que se quer restringir, o que exigiria leitura sem pausa entre "britânicos" e "que". A melhor solução talvez seja empregar um adjetivo propriamente dito (e não uma oração que tenha esse caráter). Teríamos algo como "Os sensacionalistas jornais britânicos..." (caso em que a adjetivação teria caráter genérico) ou "Os jornais britânicos sensacionalistas..." (caso em que a adjetivação teria caráter restritivo). Mesmo assim, a má leitura poderia pôr tudo a perder (se o apresentador fizesse uma pausa entre "britânicos" e "sensacionalistas"). Definitivamente, não é nada fácil a vida de apresentadores de telejornais.
Há algum tempo, tratei neste espaço de um caso semelhante, tirado de texto escrito. Alguns leitores e um eminente professor universitário me escreveram para propor a seguinte questão: quando se trata de texto já pronto, a chave da compreensão está na presença (ou na ausência) da vírgula. E quando se escreve um texto? Como se toma a decisão de pôr ou não pôr vírgula antes do bendito pronome relativo "que"? Espero que o texto de hoje tenha esclarecido a questão. É isso.


Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras.
E-mail - inculta@uol.com.br


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