São Paulo, segunda-feira, 13 de dezembro de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Para promotor, questão é de dignidade da mulher

LUCIANA CONSTANTINO
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O aborto clandestino é "uma das maiores epidemias universais" e, para combatê-lo, a interrupção da gravidez não poderia ser considerada crime. Essa é a opinião do promotor Diaulas Ribeiro, da Pró-Vida (Promotoria de Defesa dos Usuários dos Serviços de Saúde) no Distrito Federal.
Co-autor do livro "Aborto por Anomalia Fetal" e pós-doutorado em direito médico, Ribeiro diz que o assunto ainda não foi discutido no país por pressão da igreja. "A questão é de dignidade da mulher, diz o promotor, para quem o Brasil corre risco de ser condenado em tribunais de direitos humanos se não revir sua política.

Folha - Por que o sr. é favorável à descriminalização do aborto?
Diaulas Ribeiro -
Quando o Código Penal pune o homicídio, a intenção do legislador é não permitir que se matem pessoas. Está protegendo o chamado bem jurídico. No crime de aborto, o fato de criminalizar a conduta não protege o bem jurídico porque os abortos são feitos com lei, apesar dela e contra ela. Matar um adulto é homicídio. Interromper uma gestação é aborto. A mãe que interrompe uma gravidez tem pena de um a três anos. Homicídio tem pena mínima de seis a 20 anos.

Folha - A Igreja Católica argumenta que fetos têm direito à vida.
Ribeiro -
A evidência de que nosso sistema não considera o feto pessoa -e o que se protege é a pessoa, e não a vida de qualquer maneira- são as variações dos crimes, que refletem penas totalmente diferentes.

Folha - O argumento da Igreja Católica é apenas emocional?
Ribeiro -
É de dogma. Ela definiu, com base em princípios que ela própria cultiva e passou a querer impor às ciências, tanto da vida como jurídica. A igreja sempre buscou colocar a ciência a reboque dela. Ainda que todas as religiões proibissem o aborto e tivessem o mesmo conceito, a questão é de foro íntimo, de dignidade.

Folha - Ao descriminalizar o aborto, o que muda?
Ribeiro -
Primeiro, tira da cabeça da mulher uma espada de Dâmocles [risco iminente], pronta para cortar-lhe o pescoço se, por infelicidade, engravidar contrariando seu projeto de vida. A segunda razão é psicológica: tira o sentimento de que é criminosa. Por fim, viabiliza que o Estado a ampare. O aborto clandestino é uma das maiores epidemias universais.

Folha - Há como combatê-lo?
Ribeiro -
Se legalizar, há. A mulher rica gasta US$ 700, vai à Europa, faz a interrupção e volta. Só a mulher pobre morre de aborto.

Folha - Há falhas de fiscalização das clínicas clandestinas?
Ribeiro -
Há uma série de obstáculos legais. Se é clandestina, não chega ao nosso conhecimento. Só chega quando é violado mais um direito fundamental -o de não dar prova contra si. Na prática, ela faz aborto clandestino, tem hemorragia e busca o hospital. Chegando lá, o médico atendia e, ao constatar vestígios de aborto provocado, entregava-a à polícia. Ela era submetida a exame e acabava produzindo a prova. Esta mulher passou a não ir ao hospital e morria em casa. Depois de muita luta, o Conselho Federal de Medicina proibiu a prática de denunciá-la.

Folha - Por que é tão difícil discutir aborto no Brasil?
Ribeiro -
Porque o Brasil está atrelado à Igreja Católica. A questão é de política criminal e quem decide é o Estado laico. Não tem nada de inconstitucional.

Folha - Qual modelo poderia ser implantado no Brasil?
Ribeiro -
Ser livre o aborto para fetos com até 12 semanas, para aqueles que apresentarem má-formação incompatível com a vida (até 22 semanas) e para risco à saúde física e psicológica da mulher, com atestados de dois profissionais de saúde.

Folha - É um avanço a proposta do governo de discutir a lei?
Ribeiro -
É sinal de que sua bancada vai seguir a orientação do líder, por mais que isso tenha objeção de consciência. As bancadas do PT e da esquerda sempre foram muito sensíveis a esses casos.


Texto Anterior: Frases
Próximo Texto: Saúde: Multa de propaganda de remédio dobra em 2004
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.