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Para promotor, questão é de dignidade da mulher
LUCIANA CONSTANTINO
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O aborto clandestino é "uma
das maiores epidemias universais" e, para combatê-lo, a interrupção da gravidez não poderia
ser considerada crime. Essa é a
opinião do promotor Diaulas Ribeiro, da Pró-Vida (Promotoria
de Defesa dos Usuários dos Serviços de Saúde) no Distrito Federal.
Co-autor do livro "Aborto por
Anomalia Fetal" e pós-doutorado
em direito médico, Ribeiro diz
que o assunto ainda não foi discutido no país por pressão da igreja.
"A questão é de dignidade da mulher, diz o promotor, para quem o
Brasil corre risco de ser condenado em tribunais de direitos humanos se não revir sua política.
Folha - Por que o sr. é favorável à
descriminalização do aborto?
Diaulas Ribeiro - Quando o Código Penal pune o homicídio, a
intenção do legislador é não permitir que se matem pessoas. Está
protegendo o chamado bem jurídico. No crime de aborto, o fato
de criminalizar a conduta não
protege o bem jurídico porque os
abortos são feitos com lei, apesar
dela e contra ela. Matar um adulto
é homicídio. Interromper uma
gestação é aborto. A mãe que interrompe uma gravidez tem pena
de um a três anos. Homicídio tem
pena mínima de seis a 20 anos.
Folha - A Igreja Católica argumenta que fetos têm direito à vida.
Ribeiro - A evidência de que nosso sistema não considera o feto
pessoa -e o que se protege é a
pessoa, e não a vida de qualquer
maneira- são as variações dos
crimes, que refletem penas totalmente diferentes.
Folha - O argumento da Igreja Católica é apenas emocional?
Ribeiro - É de dogma. Ela definiu, com base em princípios que
ela própria cultiva e passou a querer impor às ciências, tanto da vida como jurídica. A igreja sempre
buscou colocar a ciência a reboque dela. Ainda que todas as religiões proibissem o aborto e tivessem o mesmo conceito, a questão
é de foro íntimo, de dignidade.
Folha - Ao descriminalizar o aborto, o que muda?
Ribeiro - Primeiro, tira da cabeça
da mulher uma espada de Dâmocles [risco iminente], pronta para
cortar-lhe o pescoço se, por infelicidade, engravidar contrariando
seu projeto de vida. A segunda razão é psicológica: tira o sentimento de que é criminosa. Por fim,
viabiliza que o Estado a ampare. O
aborto clandestino é uma das
maiores epidemias universais.
Folha - Há como combatê-lo?
Ribeiro - Se legalizar, há. A mulher rica gasta US$ 700, vai à Europa, faz a interrupção e volta. Só a
mulher pobre morre de aborto.
Folha - Há falhas de fiscalização
das clínicas clandestinas?
Ribeiro - Há uma série de obstáculos legais. Se é clandestina, não
chega ao nosso conhecimento. Só
chega quando é violado mais um
direito fundamental -o de não
dar prova contra si. Na prática, ela
faz aborto clandestino, tem hemorragia e busca o hospital. Chegando lá, o médico atendia e, ao
constatar vestígios de aborto provocado, entregava-a à polícia. Ela
era submetida a exame e acabava
produzindo a prova. Esta mulher
passou a não ir ao hospital e morria em casa. Depois de muita luta,
o Conselho Federal de Medicina
proibiu a prática de denunciá-la.
Folha - Por que é tão difícil discutir aborto no Brasil?
Ribeiro - Porque o Brasil está
atrelado à Igreja Católica. A questão é de política criminal e quem
decide é o Estado laico. Não tem
nada de inconstitucional.
Folha - Qual modelo poderia ser
implantado no Brasil?
Ribeiro - Ser livre o aborto para
fetos com até 12 semanas, para
aqueles que apresentarem má-formação incompatível com a vida (até 22 semanas) e para risco à
saúde física e psicológica da mulher, com atestados de dois profissionais de saúde.
Folha - É um avanço a proposta
do governo de discutir a lei?
Ribeiro - É sinal de que sua bancada vai seguir a orientação do líder, por mais que isso tenha objeção de consciência. As bancadas
do PT e da esquerda sempre foram muito sensíveis a esses casos.
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