São Paulo, domingo, 14 de janeiro de 2001

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UM SONHO


"Do meu peito, saía bola de gude"



DO ENVIADO AO RIO

Enquanto fez parte do narcotráfico, LG evitava dormir à noite. "Preferia descansar de dia. À noite, o perigo aumenta. Tinha medo de cilada. Ainda que o sol estivesse brilhando, guardava a pistola debaixo do travesseiro. Fechava um olho de cada vez. Pensava que podiam invadir a favela e me pegar durante o sono."
Nos encontros amorosos, tomava iguais precauções. "Era tudo rapidinho. "Oi. Chegue aqui. Tchau." Não vacilava. Não gastava horas na transa, distraído."
O vocalista conta que paranóias desse tipo atormentam a vida de outros traficantes. "Nenhum dorme em paz. Três, quatro horinhas, e já saltam agitados da cama."
Se dormem, sonham. E o sonho também não conforta. O cantor recorda-se especialmente de um, que costumava persegui-lo. "Os policiais me encurralavam e mandavam chumbo. O tiro atingia o coração. Eu passava a mão sobre a ferida e parecia que pegava uma bola de gude. Imagine só: do peito, tirava uma bolinha de gude. Mas quando ia olhar a mão, não havia nada."
Depois que LG deixou o crime, o pesadelo recorrente nunca mais se repetiu. "Se aquelas imagens queriam dizer algo? Não sei direito." Ele tem apenas palpites. Talvez o sonho servisse para lembrá-lo de que, mesmo na guerra, os meninos continuam meninos.


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