São Paulo, domingo, 14 de janeiro de 2001

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GILBERTO DIMENSTEIN


Perigo no ar

Consumidores comemoraram na semana passada a guerra das tarifas aéreas, deflagrada pela entrada de novas empresas de aviação.
Anunciaram-se reduções de até 60% no preço das passagens, prometendo desencadear promoções em cadeia, graças ao chamado "aeropovo" - uma boa notícia para começar o ano.
Nem tudo, porém, é céu de brigadeiro. O Sindicato dos Trabalhadores de Proteção do Vôo começou a preparar uma campanha alertando a população sobre o risco de acidentes que podem ser causados pelo estresse dos responsáveis pelo controle das aeronaves. "Estamos no limite", afirma o presidente do sindicato, Jorge Botelho, reclamando da combinação de baixos salários com excesso de desgaste humano.
Documentos sobre esses riscos foram encaminhados ao Ministério da Aeronáutica, com estudos preparados na Universidade Federal do Rio de Janeiro e na Universidade de São Paulo.
A pesquisadora Rita de Cássia Seixas, da Faculdade de Saúde Pública da USP, concluiu recentemente dissertação de mestrado, depois de acompanhar a rotina dos controladores de vôo dos aeroportos de São Paulo. Em maior ou menor grau, essa rotina se repete em todo o país.
Segundo ela, 90% dos entrevistados informaram fazer bicos para completar os salários, criando uma sobrecarga de atividades especialmente comprometedora para quem se vê obrigado a manter a atenção total nos radares. Uma distração pode ser literalmente fatal.
Entre os filiados ao sindicato, há um motorista de táxi; outro era motorista de ônibus. "Sei de um controlador que, às vezes, passava a noite acordado e de manhã ia para o aeroporto", informa Jorge Botelho.
O controlador de vôo, analisa o estudo da USP, carrega uma dose natural de estresse por saber que vidas dependem dele. Além disso, é submetido a turnos alternados e a ruídos constantes. Some-se a isso que os bicos que faz não só provocam desgaste físico como também contribuem para o distanciamento da família.
Esse acúmulo de tensões, detectou Rita de Cássia entre seus entrevistados, gera alterações no sono e distúrbios psicológicos.
"De acordo com a Organização da Aviação Civil Internacional, nenhum controlador pode ficar com mais de seis aeronaves na tela do radar. Mas há horários em que muitos controlam até 15 aviões", conta Rita.

Os controladores de vôo contam com o apoio do Sindicato dos Aeronautas. Até por questão de sobrevivência, afinal, quem está no ar são os pilotos e os tripulantes.
"É preocupante. Sabemos há muito da sobrecarga de quem acompanha o radar", diz Graziella Baggio, presidente do Sindicato dos Aeronautas, convencida de que a opinião pública é ignorante do que ocorre nos bastidores dos aeroportos.
Pegue-se o exemplo do aeroporto de Congonhas, em São Paulo, que, em muitos dias, ganha os ares de uma rodoviária, tamanho o tumulto de passageiros. No ano passado, transitaram em suas pistas, em média, 28 mil pessoas diariamente, conduzidas por 600 aeronaves.
Segundo Graziella, o intenso fluxo faz com que a distância entre os aviões siga o limite "mínimo de segurança". É um fluxo que só tende a avolumar-se com as novas empresas de aviação e com o crescimento econômico. Batem recordes os investimentos estrangeiros, o que significa mais executivos no ar.

Sexta-feira, em Congonhas, é um dia especialmente caótico. Com frequência cada vez maior, pilotos esperam por até 40 minutos a ordem de pouso, presos no congestionamento aéreo.
"A aviação é, obviamente, uma atividade de alto risco. E quaisquer novos fatores que aumentem esse risco devem ser dissipados imediatamente", defende o comandante da Varig Carlos Camacho, agente de segurança de vôo do Sindicato dos Aeronautas.
"O congestionamento aéreo já é um ingrediente a mais no estresse do piloto e, por tabela, no de quem está de olho no radar", sustenta Camacho.
Nada disso desfaz a certeza de que o avião é o mais seguro dos transportes -e, até agora, os controladores de vôo não provocaram acidentes. Mas também não há o que desfaça a suspeita de que o brasileiro só coloca tranca depois de ter a porta arrombada.

PS- Entre os controladores de vôo, há uma tensão extra, criada pela divisão entre civis e militares. A média salarial é de R$ 1,3 mil. Mas os militares ganham mais porque sua categoria, beneficiada pela pressão política das Forças Armadas, conseguiu aumentos. Os civis se sentem injustiçados -e os militares continuam achando que, mesmo com os aumentos, ganham pouco. No topo da carreira e com 20 anos de serviço, um militar controlador de vôo ganha R$ 2,7 mil, apesar de ser uma mão-de-obra altamente qualificada.

E-mail - gdimen@uol.com.br


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