São Paulo, terça-feira, 14 de janeiro de 2003

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TAXA DO LIXO

Desconto àqueles que reaproveitam materiais só deve vigorar no 2º semestre, mas valor já será cobrado no próximo mês

Paulistano que recicla se sente prejudicado

CLÁUDIA COLLUCCI
MARIANA VIVEIROS

DA REPORTAGEM LOCAL

Um misto de frustração e revolta. É o que paulistanos que já fazem a separação do lixo e o entregam para reciclagem declaram sentir pelo fato de não terem sido beneficiados pela nova lei que modificou o sistema de limpeza na capital e instituiu a taxa do lixo.
A legislação prevê um desconto no tributo para quem evita que materiais reaproveitáveis ocupem espaço desnecessariamente nos aterros, mas o benefício só deve começar a valer, na melhor das hipóteses, no segundo semestre. A taxa de lixo (que para imóveis residenciais varia de R$ 6,14 a R$ 61,36), por sua vez, começa a ser cobrada no próximo mês.
A redução no valor a ser pago depende de pelo menos dois fatores: o início, por parte da prefeitura, do programa Coleta Seletiva Solidária -que envolve cooperativas de catadores no recolhimento e revenda dos recicláveis- e a elaboração de uma lei específica que determine, por exemplo, de quanto será o desconto em cada caso e como ele vai ser concedido.
Mas a Coleta Seletiva Solidária está atrasada e só deve ganhar a primeira central de triagem no fim do mês. Já o prazo para o encaminhamento da lei do desconto à Câmara é de seis meses. Depois ela ainda terá de tramitar no Legislativo, ser votada, sancionada e regulamentada pelo Executivo.
Enquanto isso, quem já recicla fará a via crucis ambientalmente correta sem incentivo financeiro.

Revolta

"É um sentimento de revolta, de traição. Nos últimos anos fizemos verdadeiras peregrinações em busca de lugares que aceitavam o lixo reciclável", conta a psicóloga Malu Feitosa, 37. Ela e o marido, o publicitário Heitor, 46, separam o lixo há cinco anos. Vidros, plásticos, garrafas, latinhas de alumínio e papelão e pilhas são separados, lavados e colocados em latões.
No início, o material era entregue a uma mulher que o encaminhava a instituições de caridade. Após a morte dela, o casal passou a deixar o lixo em um posto de gasolina. Agora passou a entregar numa unidade do Pão de Açúcar.
"Sentimos-nos duplamente penalizados. Primeiro por ainda ter que sair de casa para encaminhar o lixo e segundo por ter de pagar essa taxa absurda", afirma Feitosa, que, mesmo frente às dificuldades, diz não pensar em desistir de continuar a separar o lixo.
"Como cidadã fico revoltada com a taxa. Parece-me que a preocupação é apenas com a arrecadação", afirma Maria Thereza Lombardi de Sousa Pinto, 58, que há mais de dez anos separa o lixo.
O entusiasmo com a reciclagem é tanto que ela já conseguiu convencer parentes e funcionários do prédio onde mora a adotarem a iniciativa. "É uma causa à qual é muito fácil aderir. Era nisso que a prefeitura deveria investir."
A dona-de-casa Márcia Regina de Arruda, 45, não se importa de ser chamada de "sucateira" no condomínio onde mora, no Morumbi (zona oeste de SP). Há seis meses, duas vezes por semana, ela circula pelos 11 prédios, recolhendo papel, papelão e latinhas.
Com o dinheiro da venda dos materiais, cerca de R$ 1.600, Arruda já comprou contêineres e cinzeiros para o condomínio -e isso porque, segundo ela, só 2% dos 3.000 moradores contribuem.
Além disso, lembra, produzindo menos lixo, a taxa a ser paga pelo condomínio será menor. "É uma pena que a prefeitura não pensou em quem já está cumprindo o seu papel", afirma.

Projeto em perigo

A inexistência de um abatimento na taxa de lixo para quem já contribui para a reciclagem pode ter consequências ainda mais graves que o desânimo e as críticas.
No Conjunto Nacional (o mais antigo shopping center de São Paulo), a administração está avaliando se continua ou não com o programa de coleta seletiva iniciado há dez anos e que hoje envia para a reciclagem quase 20% das 5 t de lixo produzidas por dia.
"Meus condôminos já pagam uma contribuição mensal pela coleta do lixo, que custa cerca de R$ 120 mil por ano e inclui a separação do reciclável. Agora a prefeitura cobra também uma taxa. Não sei como vamos fazer", afirma a síndica, Vilma Peramezza.
O edifício banca a coleta porque é um grande gerador (produz mais de 200 litros de lixo por dia), mas, pela lei municipal, cada unidade do prédio (residencial ou comercial) vai receber uma cobrança individual e poderá se declarar como grande geradora ou não.
Caso afirme ser, continuará a pagar só ao condomínio, mas, se não se enquadrar, terá de pagar à prefeitura, independentemente da outra contribuição, o que pode significar pagar duas vezes.
Peramezza foi uma dos que estiveram, na semana passada, na Câmara Municipal, discutindo com os vereadores de oposição uma forma de suspender as taxas de lixo e de iluminação pública. Ela se dispôs a ceder espaço no Conjunto Nacional para a coleta das 376,5 mil assinaturas necessárias a apresentar projetos de revogação das contribuições.
Para Wilson Santos Pereira, coordenador do Fórum Recicla SP, que reúne 74 grupos envolvidos na reciclagem de lixo, é dever do poder público encontrar alternativas para beneficiar o morador que já faz a separação e encaminhamento do lixo reciclável. "Isso serviria de incentivo para quem ainda não faz a separação", diz.


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