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"É uma situação normal", diz Drauzio Varella
VINÍCIUS QUEIROZ GALVÃO
DA REPORTAGEM LOCAL
De cinco casos de febre amarela notificados pela vigilância
sanitária no ano de 2004, três
pacientes morreram. Um dos
dois sobreviventes é o cancerologista Drauzio Varella, 64.
Infectado numa viagem à
Amazônia dias antes, com vacina vencida havia ao menos
duas décadas, o médico diz que
a exposição da doença nos
meios de comunicação nos últimos dias deve levar a um aumento no número de casos
"por que os médicos vão fazer
mais diagnósticos."
No livro "O Médico Doente",
Drauzio narra a experiência
com a doença. Leia abaixo os
principais trechos da entrevista, concedida ontem no intervalo de atendimento a pacientes no Hospital Sírio-Libanês.
FOLHA - Dá para falar em surto?
DRAUZIO VARELLA - Acho que não.
O que acontece é um fenômeno
de imprensa. E isso é clássico
na história das epidemias. Toda
vez que surge uma, os governos
negam. E a imprensa vai atrás,
no rastro da doença. Estamos
vivendo uma situação normal.
As pessoas achavam que a febre
amarela havia saído do repertório. E agora volta. Acho importante voltar para que se tenha
idéia de que existe.
FOLHA - O senhor não vê esses casos como um alerta?
DRAUZIO - Não vejo mesmo. O
problema dessas fases de pânico é que muita gente que não
precisa vai tomar a vacina. O
sujeito está em São Paulo e vai
ao Guarujá e quer se vacinar. Aí
cria-se um problema social, engrossam-se as filas. E o sujeito
que precisa não vai tomar. Eu
acho até que essa preocupação
com a febre amarela silvestre
vai aumentar o número de casos porque os médicos vão fazer mais o diagnóstico.
FOLHA - Então há subnotificação...
DRAUZIO - Fui cuidado por médicos da melhor competência,
todos professores da USP, gente com muita experiência. Nenhum deles tinha visto sequer
um caso de febre amarela.
FOLHA - E qual o diagnóstico?
DRAUZIO - Chega alguém com
febre alta, é dengue ou passa
como outros diagnósticos.
FOLHA - Qual a possibilidade real
da urbanização da doença?
DRAUZIO - Sempre existe, porque persistem as condições. A
doença não desapareceu.
FOLHA - Não dá para erradicar a febre amarela?
DRAUZIO - É impossível. Só se
se puser fogo em todas as florestas, matar todos os macacos.
FOLHA - Qual a gravidade real da
doença?
DRAUZIO - É muito grave. A
doença se instala abruptamente. Vem do nada. De repente
sente-se um frio horrível. E
quando se mede a temperatura
é febre de 40C.
FOLHA - Qual a dificuldade de
achar a cura para febre amarela?
DRAUZIO - É uma doença de pobre, que atinge um número
muito pequeno de pessoas.
FOLHA - Achou que fosse morrer?
DRAUZIO - Achei. Não tanto pelo fato de me sentir muito mal.
O que me deu a idéia de que iria
morrer foram os exames. O fato
de ser médico e ver o que estava
acontecendo.
FOLHA - Não foi descaso do senhor
de não tomar a vacina sabendo que
viajava a regiões endêmicas?
DRAUZIO - É a história de não
ter mais a preocupação. Ninguém fala em febre amarela.
FOLHA - O senhor é maratonista,
tem preparo físico, não fuma. Isso
ajudou na recuperação da doença?
DRAUZIO - Sim. Se eu fosse despreparado, obeso, cardíaco, se
tivesse um problema de base
não teria sobrevivido.
FOLHA - O senhor foi atendido
num dos melhores hospitais do Brasil. E ainda assim diz ter sofrido. E um
doente numa região pobre?
DRAUZIO - Morre. Morre.
FOLHA - Em seu livro "O médico
doente" o senhor relata uma resistência à doença e a ser internado.
Como é essa relação ambígua do
médico com a doença?
DRAUZIO - Essa relação é horrível. E não sou só eu, não. Isso é
geral entre os médicos, que resistem à condição de paciente,
a passar para o outro lado.
FOLHA - Mas por que isso?
DRAUZIO - Eu não sei. É o papel
que exerci a vida inteira e agora
os outros estão nele, e não eu.
Mas isso acontece muito com
os médicos. Alguns morrem
por causa disso. Os problemas
mais simples os médicos costumam resolver eles mesmos.
FOLHA - A vacina é um pouco controversa. Desde 1999 quatro pessoas morreram depois da imunização. O risco compensa?
DRAUZIO - Não existe vacina segura. É tudo uma questão de
analisar o risco e o benefício.
Por isso não tem sentido sair
vacinando as pessoas na cidade.
FOLHA - O senhor é contra a vacinação coletiva?
DRAUZIO - Está errado. Não é a
medida mais inteligente.
FOLHA - O país deveria criar uma
zona de vacinação compulsória?
DRAUZIO - Não sei, do ponto de
vista técnico, como se faria isso.
Aí entra uma questão de estratégia de saúde pública. Acho
complicado fazer isso.
LIVRO - "O Médico Doente", de
Drauzio Varella, editora Companhia
das Letras; 2007 ; R$ 26
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