São Paulo, sexta, 14 de fevereiro de 1997.

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Querem zombar de nosso título de cidadão

BARBARA GANCIA
Colunista da Folha
Na volta do Carnaval carioca encontrei em minha caixa-postal eletrônica a seguinte mensagem, enviada pelo leitor Mauro Celso M. de Alvarenga: ``Será que todo mundo bebeu e só eu fiquei sóbrio? Estarão todos ainda sob o efeito do Momo? Li na Folha que o vereador Mohamad Said Mourad, do PL, quer dar o título de cidadã paulistana à Lamia Maruf Hassan (a terrorista palestina expulsa de Israel). Já que é assim, poderíamos, você e eu, encabeçar a lista de assinaturas para dar títulos aos assassinos do bar Bodega, ao Lindomar Castilho e ao falso médico Bruno Pascini. Topas?''
Apesar de compartilhar da indignação do senhor Alvarenga, não topo.
Na época em que Lamia participou do complô para assassinar o soldado israelense, árabes e judeus estavam em guerra. E ela foi julgada como prisioneira de guerra. Recebeu a pena de prisão perpétua por ser um reles acessório do crime, coisa que não ocorreu nem mesmo em Nuremberg.
Eliminar um soldado inimigo durante uma missão é coisa bem distinta de cometer latrocínio ou crime passional.
O que revolta o estômago nessa história toda não é propriamente o crime cometido por Lamia. Afinal, que eu saiba, ainda não inventaram guerras sem baixas.
O que me ofende na condição de cidadã paulistana, como deve ofender profundamente à comunidade israelita de São Paulo, é saber que, por puro oportunismo, políticos tentam explorar a boa vontade de ingênuos ufanistas, que festejaram, de bandeira nacional em punho, a volta de um dos nossos, como quem recebe algum esportista brazuca que retorna da Olimpíada com uma medalha no peito.
Pois já que é para agraciar portadores de passaporte brasileiro que participaram de conflitos ultramarinos, uso este espaço para reivindicar que se conceda também o título de cidadão paulistano a cada um de nossos rapazes que está em Angola neste exato momento, integrando as tropas da ONU. Todos os pracinhas que lutaram em Montecastelo também devem ser condecorados e -por que não?- meu pai também merece ser agraciado, uma vez que, assim como Lamia, ele possui nacionalidade brasileira, fala com sotaque, participou de uma guerra (a Segunda) e foi prisioneiro (dos alemães).

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