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MOACYR SCLIAR
Imparcialidade
Juiz de futebol alemão acusado de
apostar em resultado. Ele é suspeito
de ter feito uma aposta no resultado
de uma partida por ele apitada, em
que um clube da primeira divisão
acabou perdendo para um time de
uma divisão inferior. O juiz apitou
dois pênaltis contra o time da primeira divisão e expulsou um jogador
deste, mas nega ter feito algo de errado.
Folha Online, 24.jan.2005
O jogo oporia duas seleções
historicamente rivais, os
Verdes e os Brancos. E o resultado
era absolutamente imprevisível;
tanto poderia ganhar uma como
outra -sem falar, claro, no empate, um desfecho sempre possível
no futebol.
O juiz sabia que, por causa de
certos boatos referentes a sua honestidade, seria vigiado a cada
minuto. Por isso não fez nada que
pudesse despertar suspeitas. Mas,
pouco antes de entrar no gramado, chamou Hans, o amigo em
quem confiava cegamente, e pediu-lhe que apostasse uma grande soma nos Verdes. Hans foi correndo para cumprir a missão e ele
deu início à partida.
O primeiro tempo terminou zero a zero, e tudo indicava que este
escore não se alteraria -os dois
times estavam muito equilibrados. De modo que o juiz resolveu
agir. Deu um pênalti contra os
Brancos. Os protestos foram
imediatos, porque nenhuma infração havia ocorrido, mas ele se
manteve inflexível. O centroavante dos Verdes cobrou à perfeição: um a zero.
No meio do segundo tempo, viu
Hans, junto ao alambrado, abanando aflitivamente para ele.
Deu um jeito de se aproximar. O
amigo entregou-lhe um papelzinho: "Enganei-me. Apostei nos
Brancos em vez de apostar nos
Verdes".
E agora? O que fazer? Muda a
aposta, ele resmungou entredentes. Hans saiu em disparada e ele
continuou a apitar. Pouco tempo
depois, Hans voltava, sem fôlego,
com novo papelzinho: o encarregado das apostas dizia que não
podia mudar nada, já que a partida estava no segundo tempo.
Sem alternativa, ele, em rápida
sucessão, apitou dois pênaltis
contra os Verdes. Os torcedores
urravam de fúria, mas ele manteve-se imperturbável. Os dois pênaltis foram cobrados com sucesso, e os Brancos passaram à frente
no marcador.
Aí aconteceu o inesperado. Irritados com o rumo que tomava a
partida, os Verdes reagiram e
marcaram um tento: dois a dois.
O jogo agora aproximava-se do
final e ele não hesitou: novo pênalti contra os Verdes. O centroavante dos Brancos, nervoso, cobrou mal e errou.
Ele não teve dúvidas: mandou
cobrar de novo. E quando o centroavante errou de novo, acabou
se convencendo: às vezes não há
outro jeito senão resignar-se à imparcialidade, e apostar na loteria,
menos incerta que o futebol.
Moacyr Scliar escreve nesta coluna, às
segundas-feiras, um texto de ficção
baseado em notícias publicadas na Folha
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