São Paulo, quarta-feira, 14 de março de 2001

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VIOLÊNCIA

Criminosos dão cestas básicas e remédios; ontem, alugaram ônibus para moradores irem a enterro de menina assassinada

Tráfico substitui Estado em favela de SP

ANTÔNIO GOIS
DA REPORTAGEM LOCAL

Assim como acontece em alguns morros dominados por bandidos no Rio de Janeiro, os traficantes da favela Alba, no Jabaquara (zona sudoeste de São Paulo), tentam conquistar a confiança dos moradores suprindo necessidades que deveriam ser atendidas pelo poder público.
Nesta favela, na noite de domingo, a menina Larissa Alves de Souza, 5, morreu com um tiro durante uma operação do GOE (Grupo de Operações Especiais), da Polícia Civil.
Ontem, após o enterro de Larissa, os moradores continuavam a culpar a polícia pela morte da menina e a isentar os traficantes do local de qualquer culpa.
De acordo com moradores ouvidos pela Folha, os traficantes compram cestas básicas e remédios e distribuem para as famílias mais pobres. Ontem, por exemplo, dois ônibus que levaram moradores ao enterro foram pagos pelos traficantes.
Os traficantes circulam normalmente, mesmo de dia, nos becos da favela, e são cumprimentados pelos moradores. Ontem, um deles, que se identificou com o nome fictício de Ricardo, acompanhou a reportagem da Folha durante quase uma hora.
Ele afirmou ter gasto R$ 280 com o enterro de Larissa, dinheiro que foi usado para alugar dois ônibus e comprar uma coroa de flores. A mãe de Larissa, Doraci Alves de Souza, confirmou as informações dos traficantes.
Segundo Ricardo, até a quadra de esporte e um parque infantil foram construídos com o dinheiro do tráfico, após um roubo no aeroporto de Congonhas em 1999, praticado por Chambau, traficante que morava no local.
Na favela Alba, pelo menos segundo a versão dos moradores, a lei do silêncio é imposta pela polícia, e não pelos traficantes. A dona-de-casa Maria Aparecida Santos, 59, por exemplo, afirma não ter medo de falar dos traficantes do local.
"Os policiais é que, quando entram aqui, dizem que a gente não pode falar nada.Os traficantes já me deram remédio quando eu precisei e sempre respeitaram muito a gente", diz Maria, que mora há 22 anos no local e diz não ter medo de aparecer. "Só vou morrer no dia em que Jesus decidir", afirma.
Ela conta que esse grupo de traficantes substituiu outro: "Os outros botavam medo na gente, batiam em bêbado... Volta e meia a gente encontrava alguém morto por aqui. Desde que esses meninos (os novos traficantes) chegaram, o local ficou mais calmo".
Maria fez aniversário no domingo. A menina Larissa estava em sua festa. Ela diz que seu sobrinho, Rafael Souza, já foi atingido por tiros da polícia na favela.
Outra moradora, que não quis se identificar, confirma as informações de Maria: "Não quero dar entrevista com medo dos policiais. O pessoal daqui nos ajuda, dá remédios. Por eles não tem problema nenhum em falar. Vocês (da reportagem) podem entrar aí que não vai ter problema".
A fama dos traficantes do local não é restrita à favela Alba. No Centro de Saúde Estadual Dr. Waldomiro Pregnolato, que fica próximo à favela, a auxiliar de enfermagem Cristina Flaquer, 49, afirma que os traficantes respeitam os médicos. "Eles não deixam ninguém mexer com a gente e até tomam a dor da gente quando alguém incomoda", diz a funcionária do posto.


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