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LETRAS JURÍDICAS
Crise do judiciário é crise do Estado
WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA
A AÇÃO dos magistrados
corresponde a "um movimento de contestação, que ressoou durante muito tempo nas
comarcas. Os magistrados, o que
é recorrente, denunciam a penúria da justiça e reclamam meios
suplementares para fazer face,
notadamente, à sobrecarga de
trabalho", resultante de novas
leis. "Mas, o movimento deles,
também é a oportunidade de exprimir o mal-estar de uma profissão em mutação, que teve de sofrer, nos últimos quatro anos,
múltiplas retomadas de sua avaliação, com o debate sobre a reforma do Judiciário.
Paradoxalmente, trata-se de
um momento no qual o Estado
consentiu em um esforço importante para restaurar o nível do
sistema judiciário no qual se exprime o descontentamento dos
juízes. Depois de 1997 os diferentes orçamentos da Justiça aumentaram, efetivamente, de modo
constante...
Pressionados pelos homens políticos a lutar contra a pequena
criminalidade por todos os meios,
ai compreendidos os mais expeditos, os juízes de instrução se chocam com inúmeras dificuldades
procedimentais para combaterem a grande corrupção".
Os textos entre aspas, que parecem reproduzir fatos da crise do
Judiciário do Brasil, não são nossos. São colhidos em exemplares
do jornal "Le Monde", durante o
mês de março último, referentes à
Justiça francesa, às voltas com
uma lei nova, a da presunção de
inocência, que cria, no entender
da magistratura gaulesa, enormes dificuldades para a realização de seu trabalho. Uma parte
da revolta dos juízes franceses é
devida ao fato de que a lei (entrada em vigor no primeiro dia deste
ano), permite que o advogado fale com seu cliente, desde o primeiro momento de sua detenção e
não apenas vinte horas depois. A
lei permite, ainda que mesmo a
pessoa ouvida como testemunha
pelo juiz de instrução possa ser
acompanhada por advogado.
As mudanças foram introduzidas na lei, em boa parte, em virtude de excessos dos juizados de instrução, que prejudicavam ou sacrificavam gravemente o direito
da defesa, sem benefício para a
aplicação da Justiça ante o excesso de poderes dados aos juízes. Na
França, o Ministério Público faz
parte do Judiciário. Tanto os promotores, quanto os juízes, são
magistrados, com diferença importante em face do que aqui
ocorre.
Há uma queixa, na França, que
não existe no Brasil: lá os magistrados reclamam que sua Justiça
é feita em duas velocidades, sendo
uma lentíssima, para a grande
criminalidade da corrupção e outra rápida, para os pés-de-chinelo, da delinquência comum. Isso,
apesar da força do juizado de instrução. Aqui, as duas são lentas,
ante a insuficiência no número de
magistrados e de meios materiais
para o desenvolvimento eficaz
dos trabalhos, embora o Brasil esteja em patamar mais civilizado:
a presunção de inocência é regra
constitucional, inserida no artigo
5º.
Tomando o exemplo francês, repassando a alternativas encontradas em outros países, constata-se que a crise é universal, independente das tendências políticas
das nações consideradas, livre de
sua evolução social ou econômica. O cerne da questão se situa sobre a insuficiência do Estado Moderno, sobre o anacronismo da
tripartição dos Poderes, sem surgir nada que a substitua. Insuficiência dramatizada com a velocidade da transformação, no século 20, tanto na facilidade das
deslocações, quanto na instantaneidade das comunicações, por
todo o planeta. No mundo louco
de hoje, tudo está em crise em toda parte. Algumas mais, outras
menos, mas em crise.
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