São Paulo, sábado, 14 de abril de 2001

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

LETRAS JURÍDICAS

Crise do judiciário é crise do Estado

WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA

A AÇÃO dos magistrados corresponde a "um movimento de contestação, que ressoou durante muito tempo nas comarcas. Os magistrados, o que é recorrente, denunciam a penúria da justiça e reclamam meios suplementares para fazer face, notadamente, à sobrecarga de trabalho", resultante de novas leis. "Mas, o movimento deles, também é a oportunidade de exprimir o mal-estar de uma profissão em mutação, que teve de sofrer, nos últimos quatro anos, múltiplas retomadas de sua avaliação, com o debate sobre a reforma do Judiciário.
Paradoxalmente, trata-se de um momento no qual o Estado consentiu em um esforço importante para restaurar o nível do sistema judiciário no qual se exprime o descontentamento dos juízes. Depois de 1997 os diferentes orçamentos da Justiça aumentaram, efetivamente, de modo constante...
Pressionados pelos homens políticos a lutar contra a pequena criminalidade por todos os meios, ai compreendidos os mais expeditos, os juízes de instrução se chocam com inúmeras dificuldades procedimentais para combaterem a grande corrupção".
Os textos entre aspas, que parecem reproduzir fatos da crise do Judiciário do Brasil, não são nossos. São colhidos em exemplares do jornal "Le Monde", durante o mês de março último, referentes à Justiça francesa, às voltas com uma lei nova, a da presunção de inocência, que cria, no entender da magistratura gaulesa, enormes dificuldades para a realização de seu trabalho. Uma parte da revolta dos juízes franceses é devida ao fato de que a lei (entrada em vigor no primeiro dia deste ano), permite que o advogado fale com seu cliente, desde o primeiro momento de sua detenção e não apenas vinte horas depois. A lei permite, ainda que mesmo a pessoa ouvida como testemunha pelo juiz de instrução possa ser acompanhada por advogado.
As mudanças foram introduzidas na lei, em boa parte, em virtude de excessos dos juizados de instrução, que prejudicavam ou sacrificavam gravemente o direito da defesa, sem benefício para a aplicação da Justiça ante o excesso de poderes dados aos juízes. Na França, o Ministério Público faz parte do Judiciário. Tanto os promotores, quanto os juízes, são magistrados, com diferença importante em face do que aqui ocorre.
Há uma queixa, na França, que não existe no Brasil: lá os magistrados reclamam que sua Justiça é feita em duas velocidades, sendo uma lentíssima, para a grande criminalidade da corrupção e outra rápida, para os pés-de-chinelo, da delinquência comum. Isso, apesar da força do juizado de instrução. Aqui, as duas são lentas, ante a insuficiência no número de magistrados e de meios materiais para o desenvolvimento eficaz dos trabalhos, embora o Brasil esteja em patamar mais civilizado: a presunção de inocência é regra constitucional, inserida no artigo 5º.
Tomando o exemplo francês, repassando a alternativas encontradas em outros países, constata-se que a crise é universal, independente das tendências políticas das nações consideradas, livre de sua evolução social ou econômica. O cerne da questão se situa sobre a insuficiência do Estado Moderno, sobre o anacronismo da tripartição dos Poderes, sem surgir nada que a substitua. Insuficiência dramatizada com a velocidade da transformação, no século 20, tanto na facilidade das deslocações, quanto na instantaneidade das comunicações, por todo o planeta. No mundo louco de hoje, tudo está em crise em toda parte. Algumas mais, outras menos, mas em crise.



Texto Anterior: SP: Hosmany Ramos é transferido de cadeia
Próximo Texto: Rio: Falsa paternidade agita alta sociedade
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.