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GILBERTO DIMENSTEIN
Mulher vota em mulher?
Reunidos em São Paulo,
na sexta-feira, coordenadores do PFL preparavam as cerimônias de funeral da candidatura presidencial de Roseana Sarney -um projeto político meteórico interrompido por uma foto
que exibia um amontoado de notas flagradas na empresa da então governadora.
Com a derrocada da candidatura, uma parcela do voto feminino ficou desamparada, sem identificação com a agenda masculina dos candidatos. Apenas o fato
de Roseana ser mulher lhe deu
vantagem na disputa presidencial, como mostram as pesquisas.
Encontram-se os motivos dessa
orfandade numa empreitada intelectual feita por três grandes
empresas (Sadia, Eletrolux e
Avon) durante um ano, de abril
de 2001 até o mês passado. Bancaram pesquisadores (13 equipes,
que envolveram cem profissionais), inclusive antropólogos, para descobrir tendências femininas: fizeram entrevistas nos principais centros urbanos (São Paulo, Rio, Porto Alegre, Brasília, Recife), mas também com mulheres
do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, da tribo caiová, em
Mato Grosso do Sul, e do quilombo Frechal, no Maranhão.
Convidadas a responder se gostariam de fazer política, em sua
maioria, esquivaram-se: "Deus
me livre". Mas mostraram-se dispostas a oferecer, com prazer, seu
voto à mulher que se dispuser a
enfrentar os preconceitos e as
pressões do cotidiano, marcado
pela corrupção.
Detectou-se que a mulher é vista como "mais sensível aos problemas da corrupção, menos corruptível e mais preocupada com o
futuro do país, com as próximas
gerações". Importa pouco o partido e mesmo a ideologia; importa
muito, porém, a imagem de honestidade -no caso de Roseana,
comprometida por causa da
tal foto.
Há tendências que vão mudando a cara do Brasil: o envelhecimento da população graças ao
aumento da expectativa de vida;
a melhoria dos níveis de escolaridade, a demanda por mais vagas
no ensino superior; uma maior
preocupação das empresas com a
vida dos seus funcionários e de
sua comunidade.
Entre as principais tendências
observadas está o fato de a mulher ganhar cada vez mais espaço
no mercado de trabalho, embora,
ao mesmo tempo, acumule as atividades domésticas, num duplo
estresse. A mulher, segundo a pesquisa, sente-se só e cansada. "Não
são apenas as oito horas em dois
períodos que não se ajustam às
necessidades de uma dona-de-casa que trabalha fora. O mesmo se
pode dizer das atitudes que valorizam os sentimentos e os comportamentos considerados adequados, de sucesso, a serem
aprendidos. Existe uma modelagem estrutural do trabalho que
não pertence ao feminino."
O diagnóstico pode parecer algo
óbvio, mas a consequência desse
desgaste não o é -tanto para
quem vende produtos como para
quem vende idéias.
Por conta do corre-corre, a mulher está valorizando mais e mais
o bairro. As escolhas de consumo
-da escola do filho, passando pelo médico e pelo terapeuta, até as
compras- estão crescentemente
vinculadas à distância geográfica. "As atividades tendem a ser
acopladas. A aula de ginástica
transforma-se em uma caminhada rápida, passando pelo mercadinho. Na volta, compra-se o jornal, para-se na padaria para
comprar o pão e tomar o café."
A consequência desse "bairrismo" é que, para a mulher, a política faria mais sentido se significasse intervir na comunidade em
que mora. Nota-se, aqui, como
cresce a agenda urbana, a preocupação com a administração municipal, na vida das pessoas, numa desconcentração das atenções; política municipal, no Brasil, tem a tradição de ser coisa menor. "O bairro e a cidade se revestem de outros significados, muito
mais profundos, mais arraigados
à cultura daquele pedaço
de mundo."
A modernidade política brasileira é menos visível na plataforma dos candidatos -muitas vezes, um amontoado de ilusões, de
propostas com baixa viabilidade
ou de tiradas mercadológicas-
do que na nova mentalidade dos
brasileiros e nas suas novas atitudes, em especial as das mulheres.
A agenda política é vista com
descrédito pela população porque, entre outras razões, está distante do cotidiano.
PS - Uma das conclusões é que a
mulher, premida pelas tarefas da
casa e do trabalho, vai ficando
mais pragmática e dá menos
atenção aos modismos ou vontades estimuladas pela mídia. Significa dizer que se torna uma consumidora mais rigorosa e uma
eleitora mais atenta, o que explica, por exemplo, a debandada da
candidatura Roseana Sarney. A
íntegra da pesquisa, coordenada
pela CPM Research, está na página do Aprendiz: http://www.aprendiz.org.br.
E-mail -
gdimen@uol.com.br
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