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São Paulo, segunda-feira, 14 de abril de 2003

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DROGAS

Segundo ministério, lei atual trata consumidor como criminoso e dificulta acesso a tratamento

Saúde quer descriminalizar usuário

LUCIANA CONSTANTINO
IURI DANTAS
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Nem prisão, nem internação hospitalar. O uso de drogas pode deixar de ser crime, acabando com a possibilidade de o usuário ser preso ou internado compulsoriamente. A proposta é defendida pelo Ministério da Saúde, que pretende tratar o usuário sob a ótica da saúde pública em vez da policial, como ocorre hoje.
A idéia de descriminalização está descrita no documento "A política do Ministério da Saúde para a atenção integral ao usuário de álcool e outras drogas", finalizado em março, obtido pela Folha.
Independentemente de mudanças na legislação, que atualmente enquadra o uso de drogas como crime, as diretrizes serão implementadas para atender também a dependentes do álcool.
"O rigor da lei criminal de drogas vigente se manifesta em condições desfavoráveis de acesso à saúde e participação e organização dos usuários de drogas, ao estabelecer o uso como "proibido", sugerindo a ocultação", afirma-se em trecho do documento.
O que o ministério propõe é uma mudança na atitude das autoridades em relação ao usuário de drogas. Na prática, isso significa que uma pessoa que fosse flagrada pela polícia com um cigarro de maconha não seria presa.
Por outro lado, a proibição da venda de drogas ilícitas, como maconha e cocaína, permaneceria. A distinção entre usuário e traficante seria regulamentada pelo Congresso.
O documento também ressalta como objetivo "imprescindível" a formulação de "políticas que possam desconstruir o senso comum de que todo usuário de droga é um doente que requer internação, prisão ou absolvição".
"É uma alternativa mais pragmática e produtiva, se comparada a possíveis punições por comportamentos não aceitos. Nesse sentido, é fundamental trabalharmos pela abordagem não-criminal dos usuários, lutando pela promoção de atenção integral a eles", afirmou Paulo Macedo, do Ministério da Saúde.
O psiquiatra Ronaldo Laranjeira, presidente da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e Outras Drogas, criticou a proposta. "As pessoas preferem o debate mais fácil, que é mudar a lei, sendo que o Ministério da Saúde não cumpre seu dever há anos, que é oferecer um bom tratamento". Para ele, "é temerário" descriminalizar o uso sem estudos nacionais consolidados sobre o perfil dos usuários e o impacto que a mudança traria.
As idéias contidas no documento do ministério farão parte de um debate do governo para a definição de uma nova Pnad (Política Nacional Antidrogas). Caberá ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva a palavra final.
Em maio, Lula deve enviar ao Congresso a versão petista da Pnad. Outros ministérios e a Senad (Secretaria Nacional Antidrogas) encaminharão propostas à Presidência da República.
A Pnad atual foi elaborada por Fernando Henrique Cardoso em novembro de 2001 e, segundo especialistas, persegue a "abstinência" em vez da regulamentação. O projeto do Ministério da Saúde também critica a política em vigor por associar o uso de drogas à criminalidade e oferecer tratamento inspirado em modelos de exclusão do usuário do convívio social.
Entre os problemas apontados pelo ministério como reflexo da atual política estão campanhas publicitárias que "reforçam o senso comum de que todo consumidor é marginal e perigoso para a sociedade". Não é a primeira vez que a legislação pode ser alterada para evitar punições ao usuário. O texto da Lei Antitóxicos, sancionada por FHC em janeiro de 2002, previa a descriminalização do uso. O ex-presidente vetou.
Na Pnad, feita meses antes, o tratamento de usuários ficou a cargo da "Justiça terapêutica". A partir daí, o juiz pode encaminhar o usuário para tratamento, em vez de condená-lo à detenção.
Essa opção é defendida pelo governo norte-americano, que insiste na erradicação das drogas. Em janeiro, relatório do Departamento de Estado dos EUA elogiou a condução de política antidrogas do Brasil. Também dizia que o consumo de drogas vem crescendo no país.
Uma das "armas" do Ministério da Saúde para se contrapor à atual política seria a implementação, em larga escala, de CAPs (Centros de Atenção Psicossocial). Será por meio desses centros, que oferecem atendimento diário e serviços para a comunidade, que a pasta quer, de forma ousada, mudar o senso comum. Ou seja, mudar o enfoque das campanhas preventivas eliminando a associação do uso de drogas e também do álcool à delinquência e à marginalidade.
O objetivo é evitar a segregação social dos consumidores de entorpecentes, que, assim, teriam acesso mais fácil a tratamento.



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