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DROGAS
Segundo ministério, lei atual trata consumidor como criminoso e dificulta acesso a tratamento
Saúde quer descriminalizar usuário
LUCIANA CONSTANTINO
IURI DANTAS
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Nem prisão, nem internação
hospitalar. O uso de drogas pode
deixar de ser crime, acabando
com a possibilidade de o usuário
ser preso ou internado compulsoriamente. A proposta é defendida
pelo Ministério da Saúde, que
pretende tratar o usuário sob a
ótica da saúde pública em vez da
policial, como ocorre hoje.
A idéia de descriminalização está descrita no documento "A política do Ministério da Saúde para a
atenção integral ao usuário de álcool e outras drogas", finalizado
em março, obtido pela Folha.
Independentemente de mudanças na legislação, que atualmente
enquadra o uso de drogas como
crime, as diretrizes serão implementadas para atender também a
dependentes do álcool.
"O rigor da lei criminal de drogas vigente se manifesta em condições desfavoráveis de acesso à
saúde e participação e organização dos usuários de drogas, ao estabelecer o uso como "proibido",
sugerindo a ocultação", afirma-se
em trecho do documento.
O que o ministério propõe é
uma mudança na atitude das autoridades em relação ao usuário
de drogas. Na prática, isso significa que uma pessoa que fosse flagrada pela polícia com um cigarro
de maconha não seria presa.
Por outro lado, a proibição da
venda de drogas ilícitas, como
maconha e cocaína, permaneceria. A distinção entre usuário e
traficante seria regulamentada
pelo Congresso.
O documento também ressalta
como objetivo "imprescindível" a
formulação de "políticas que possam desconstruir o senso comum
de que todo usuário de droga é
um doente que requer internação,
prisão ou absolvição".
"É uma alternativa mais pragmática e produtiva, se comparada
a possíveis punições por comportamentos não aceitos. Nesse sentido, é fundamental trabalharmos
pela abordagem não-criminal dos
usuários, lutando pela promoção
de atenção integral a eles", afirmou Paulo Macedo, do Ministério da Saúde.
O psiquiatra Ronaldo Laranjeira, presidente da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e Outras Drogas, criticou a proposta.
"As pessoas preferem o debate
mais fácil, que é mudar a lei, sendo que o Ministério da Saúde não
cumpre seu dever há anos, que é
oferecer um bom tratamento".
Para ele, "é temerário" descriminalizar o uso sem estudos nacionais consolidados sobre o perfil
dos usuários e o impacto que a
mudança traria.
As idéias contidas no documento do ministério farão parte de um
debate do governo para a definição de uma nova Pnad (Política
Nacional Antidrogas). Caberá ao
presidente Luiz Inácio Lula da Silva a palavra final.
Em maio, Lula deve enviar ao
Congresso a versão petista da
Pnad. Outros ministérios e a Senad (Secretaria Nacional Antidrogas) encaminharão propostas
à Presidência da República.
A Pnad atual foi elaborada por
Fernando Henrique Cardoso em
novembro de 2001 e, segundo especialistas, persegue a "abstinência" em vez da regulamentação. O
projeto do Ministério da Saúde
também critica a política em vigor
por associar o uso de drogas à criminalidade e oferecer tratamento
inspirado em modelos de exclusão do usuário do convívio social.
Entre os problemas apontados
pelo ministério como reflexo da
atual política estão campanhas
publicitárias que "reforçam o senso comum de que todo consumidor é marginal e perigoso para a
sociedade". Não é a primeira vez
que a legislação pode ser alterada
para evitar punições ao usuário. O
texto da Lei Antitóxicos, sancionada por FHC em janeiro de 2002,
previa a descriminalização do
uso. O ex-presidente vetou.
Na Pnad, feita meses antes, o
tratamento de usuários ficou a
cargo da "Justiça terapêutica". A
partir daí, o juiz pode encaminhar
o usuário para tratamento, em vez
de condená-lo à detenção.
Essa opção é defendida pelo governo norte-americano, que insiste na erradicação das drogas.
Em janeiro, relatório do Departamento de Estado dos EUA elogiou a condução de política antidrogas do Brasil. Também dizia
que o consumo de drogas vem
crescendo no país.
Uma das "armas" do Ministério
da Saúde para se contrapor à atual
política seria a implementação,
em larga escala, de CAPs (Centros
de Atenção Psicossocial). Será por
meio desses centros, que oferecem atendimento diário e serviços para a comunidade, que a pasta quer, de forma ousada, mudar
o senso comum. Ou seja, mudar o
enfoque das campanhas preventivas eliminando a associação do
uso de drogas e também do álcool
à delinquência e à marginalidade.
O objetivo é evitar a segregação
social dos consumidores de entorpecentes, que, assim, teriam
acesso mais fácil a tratamento.
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