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São Paulo, segunda-feira, 14 de abril de 2003

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VIOLÊNCIA

Um mês após o assassinato em Presidente Prudente (SP), polícia paulista ainda tem dúvidas sobre o mandante do crime

Motivo da morte de juiz segue desconhecido

ALESSANDRO SILVA
DA REPORTAGEM LOCAL

Um mês após o assassinato do juiz-corregedor de Presidente Prudente (interior de São Paulo), Antonio José Machado Dias, 47, a Polícia Civil do Estado ainda desconhece o motivo do crime e não arrisca apontar oficialmente quem ordenou a ação, apesar de ter identificado todos os envolvidos na emboscada.
Pelo que se descobriu até agora, o plano para matar o magistrado foi preparado nos mínimos detalhes, financiado e executado por traficantes da capital que podem ter ligação com o PCC (Primeiro Comando da Capital) e que fazem negócios com o grupo do traficante Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-Mar, parceiro do Comando Vermelho do Rio.
""Identificar os autores foi o primeiro passo. O segundo é a prisão deles. A partir daí chegaremos ao mandante e ao motivo", afirma o delegado Armindo Aparecido Miguel, 48, do DHPP (departamento de homicídios), responsável pela investigação.
Das cinco pessoas acusadas pela polícia, quatro estão foragidas, incluindo os três homens que teriam assassinado o juiz. No início da noite do dia 14 de março, uma sexta-feira, um Uno fechou o carro do magistrado perto do fórum de Presidente Prudente, no centro da cidade. Dias levou três tiros de pistola e morreu na hora.
Como corregedor, era ele quem analisava pedidos de benefícios de presos e fiscalizava o cumprimento de pena em sete penitenciárias da região, onde está construído o principal símbolo de repressão ao PCC: o CRP (Centro de Readaptação Penitenciária) de Presidente Bernardes (589 km de SP), uma unidade com severa disciplina e restrição de direitos, como o de receber visitas íntimas, que, na época do crime, abrigava provisoriamente Beira-Mar.
Veja a seguir como a quadrilha executou o assassinato do juiz Antonio José Machado Dias:

O carro
O instalador de telefones Cristian Ângelo trabalhava na capital paulista com um Fiat Uno de uma locadora de veículos. No último dia 4 de fevereiro, ele entrou em uma delegacia de São Paulo e registrou o roubo do carro. De acordo com seu depoimento aos policiais, três homens o teriam cercado na rua e levado o Uno.
Na verdade, segundo a polícia descobriu mais tarde, o instalador vendeu o carro, que não era seu, para o traficante João Carlos Rangel Luisi, o Jonny, dono de um suposto ponto de venda de drogas em um bar da zona leste.
Ângelo não está preso, mas responde pelo sumiço do carro.
Jonny iria vender o Uno para um desmanche, de acordo com o que declarou à polícia, por cerca de R$ 400, em um negócio classificado pelos investigadores do DHPP como ""bico" eventual.
O plano mudou porque outro traficante, Adilson Daghia, 34, conhecido como Di, pediu o carro e pagou o que o desmanche prometera. Para a polícia, Di fornecia drogas para Jonny.

Uno "legalizado"
Daghia está foragido desde março de 2001, quando desapareceu de modo misterioso do Hospital Penitenciário, no Carandiru, na zona norte da capital. A fuga, porém, só foi percebida cinco meses depois. Apesar dos negócios que mantém em São Paulo, o nome dele aparece no organograma da quadrilha de Beira-Mar, feito pela polícia do Rio, na função de distribuidor de droga.
Juntos, Daghia e Jonny contrataram um estelionatário conhecido na região, também foragido da Justiça, para fazer documento, mudar o chassi do Uno, vidros com a nova numeração e, principalmente, placas de Presidente Prudente para não despertar a atenção da polícia na cidade onde o juiz seria morto. Jairo César da Silva, com dez anos de prisão para cumprir, gasta pelo menos uma semana para ""legalizar" o carro.
""Se o Uno fosse parado em um bloqueio, caso os policiais não tivessem bem preparados, passava", afirma o investigador-chefe do DHPP, Carlos Eduardo Montez, 42, ao avaliar a falsificação que foi feita pelo grupo.

Planejamento
Não se sabe ao certo ainda como a quadrilha reuniu informações sobre a vida e horários do juiz-corregedor, tampouco se monitoraram os passos dele na cidade.
No dia do crime, o magistrado estava sem escolta. Liberou os policiais, segundo o Tribunal de Justiça, por conta própria por achar que não corria perigo.
Daghia reuniu dois ajudantes para o plano: o traficante Reinaldo Teixeira dos Santos, 24, o Funchal, e o sequestrador Ronaldo Dias, 26, o Chocolate, amigos de infância na favela Vietnã (zona norte de São Paulo).
Dois dias antes do assassinato, Daghia e Funchal se hospedaram em um hotel em Regente Feijó, município perto de Presidente Prudente. Disseram estar à procura de uma casa no interior, pois estavam cansados da correria da capital, segundo moradores ouvidos pelo DHPP. Usaram uma garota de programa como guia para conhecer o fórum sem despertar a atenção da polícia.
Na véspera da ação, chegou o último integrante da quadrilha, Chocolate, com o Uno preparado pelo estelionatário. Os três foram vistos tomando cerveja em um bar próximo do hotel.
Entre 16h30 e 17h do dia 14 de março, o grupo saiu de Regente Feijó em dois carros. Assassinaram o juiz a tiros, abandonaram o Uno na cidade e fugiram em um segundo carro -um Gol.
Jonny teria sido avisado depois, por volta das meia-noite, de que precisava ir até Sorocaba pegar Funchal, que havia sido deixado para trás como despiste.
Na madrugada do dia 15, um sábado, de acordo com o DHPP, estavam em um barraco na favela Vietnã fumando maconha e vendo pela TV reportagens sobre o assassinato do juiz-corregedor.
Daghia e sua mulher, Viviane Alves de Campos Melo, Funchal, Chocolate, e o estelionatário Silva estão foragidos desde então.
Jonny e Liliane Dias Nunes, namorada de Funchal, que estão presos, disseram à polícia que não sabiam do plano para matar o juiz. Ficaram sabendo depois. Não revelaram o nome do mandante nem o motivo do crime.



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