São Paulo, quarta-feira, 14 de abril de 2004

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RIO SOB TENSÃO

Secretário de Segurança disse que aceitaria envio de 4.000 homens das Forças Armadas; Thomaz Bastos diz que pedido é "inatendível"

Garotinho pede, mas União veta ação militar

Victor R. Caivano/Associated Press
Policiais na favela da Rocinha, onde dez pessoas morreram desde a madrugada de sexta-feira


PEDRO DIAS LEITE
ENVIADO ESPECIAL AO RIO

Em uma entrevista que provocou mal-estar, teve desmentidos e até princípio de bate-boca, o secretário de Segurança Pública do Estado do Rio, Anthony Garotinho, disse ontem que, atendendo a uma "oferta" do governo federal, o Estado vai "aceitar" o envio de 4.000 homens das Forças Armadas para cercar e ocupar as principais favelas da cidade.
À noite, o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, rechaçou a idéia e disse que, nos termos pedidos por Garotinho, a proposta "é manifestamente inatendível".
O secretário nacional da Segurança Pública, Luiz Fernando Corrêa, que estava ao lado de Garotinho durante a entrevista, negou que o governo tenha oferecido a participação de militares, como disse o secretário fluminense.
Corrêa era o principal representante do governo federal em uma reunião da cúpula do combate ao crime no Rio realizada ontem. De acordo com ele, a possibilidade de atuação dos militares é "mínima".
Segundo a Folha apurou, o governo federal tentou, sem sucesso, convencer Garotinho a não pedir o envio de tropas.
Para Garotinho, os militares vão antecipar as funções que serão desempenhadas por 4.000 policiais militares que o governo estadual deve contratar até o fim do ano para ocupar permanentemente as principais favelas da cidade.
Após a reunião, Garotinho leu o documento, que será entregue ao governo federal, em que diz: "O governo do Estado do Rio de Janeiro decide aceitar a oferta de apoio da União, na cessão de parcela de suas forças militares, como forma de dividir responsabilidades no âmbito da segurança pública estadual".
No texto, Garotinho lista oito "áreas de conflito" da cidade nas quais os militares atuariam: Borel, complexo do Alemão, complexo de São Carlos, Dendê, Jacarezinho, Mangueira, complexo da Maré e Metral.
Durante a entrevista, Garotinho chegou a iniciar um bate-boca com Corrêa. Quando o representante do governo federal disse que a expressão do ministro Thomaz Bastos foi de oferecer "capacidade plena", e não envio de militares, Garotinho interrompeu: "Então os jornais estão errados?".

"Apoio não se recusa"
Apesar da pressão indireta no governo federal pelo envio de tropas, o secretário estadual disse ser "pessoalmente contra" a intervenção dos militares, mas que não podia rejeitar a oferta.
Questionado por que pedia o reforço, já que o secretário nacional da Segurança também era contra a participação dos militares, explicou: "Apoio não se recusa", para depois completar que "seria falta de respeito com a opinião pública do Rio".
Se o governo rejeitar o envio de tropas, Garotinho acredita que o ônus deve recair sobre o Planalto.
Nem Garotinho nem Corrêa detalharam a reunião. Corrêa disse que, por "questão estratégica", não podia revelar os planos.
Pela manhã, após quatro dias de silêncio sobre o confronto na Rocinha, a governadora Rosinha Matheus (PMDB) atacou o governo federal por atrasar a liberação de verbas do FNS (Fundo Nacional de Segurança) para o Rio.
Em entrevista à rádio CBN, ela disse que o episódio da Rocinha é "um fato isolado" e atribuiu a violência a falhas do governo federal e da Prefeitura do Rio.
"As armas que os bandidos têm não são fabricadas no Rio. Entram pelas fronteiras, que são de responsabilidade federal. A responsabilidade de deixar ou não crescer favelas no Rio de Janeiro é da prefeitura. Faço um desafio: a prefeitura não deixa mais crescer favelas, e o governo federal cuida das fronteiras, que o governo estadual vai desarmar o Rio", disse.
Ela ainda reclamou da falta de interação com o governo federal. "As pessoas não conversam com a gente, eu fico tomando conhecimento de atitudes pela imprensa. Sou governadora."
Mais tarde, Garotinho culpou a equipe econômica pela liberação de apenas R$ 19 milhões de um total de R$ 40 milhões em projetos já aprovados. Anteontem, quando a crise na favela da Rocinha já estourara, foram liberados mais R$ 9 milhões, referentes a projetos de 2003.
De acordo com Luiz Fernando Corrêa, os projetos deste ano começarão a ser estudados a partir dos próximos dias.

Colaboraram a Sucursal de Brasília e Pedro Dantas, free-lance para a Folha

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