São Paulo, segunda-feira, 14 de maio de 2001

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FRIO

Secretário quer aumentar em 25% as vagas nos albergues, apesar de a lei permitir no máximo cem pessoas por unidade

Prefeitura faz "operação aperto" em abrigos

Juca Varella/Folha Imagem
Sem-teto deixa o albergue do Glicério (região central), o maior abrigo da cidade, com 550 vagas


ESTANISLAU MARIA
DA REPORTAGEM LOCAL

A Operação Inverno da Prefeitura de São Paulo, que vai intensificar a retirada de moradores de rua nas noites de frio a partir de 1º de junho, será uma "operação aperto" nos 14 albergues da cidade, todos já superlotados.
Alguns são verdadeiros depósitos de sem-teto com até 300 pessoas dormindo num mesmo "quarto". Os abrigos já trabalham no limite de suas 2.770 vagas. No frio, a procura aumenta 30%.
Para suprir essa demanda, o secretário da Assistência Social, Evilásio Farias, anunciou a inauguração, em julho, de mais 500 vagas em novos abrigos e a ampliação de 25% de vagas nos albergues existentes. "Apertando as camas nos espaços que tivermos, vamos colocar mais leitos", disse Farias.
O problema é que a medida desafia duas leis. Uma física: dois corpos não ocupam o mesmo lugar no espaço ao mesmo tempo. Outra municipal: a lei 12.316, regulamentada por Marta Suplicy em seu primeiro decreto como prefeita, em 2 de janeiro.
A lei define uma série de melhorias no atendimento à população de rua e obriga os albergues da prefeitura a terem no máximo cem vagas e abrigarem até 20 pessoas por quarto. Define ainda limite mínimo de um metro de distância entre as camas (veja quadro nesta página).
Hoje, dos 14 albergues, 11 descumprem a lei. Entre os cinco maiores, o do Glicério mantém 550 lugares; o Dar 1 (no Brás) 450; o do viaduto Jacareí, 330; o Programa Gente (na avenida Celso Garcia), 300, e o do Canindé, 200.

"Limite do limite"
Os moradores de rua chegam entre 17h e 21h, tomam banho, jantam e, antes das 7h, quando têm de sair, recebem o café da manhã. "Já estamos no limite do limite", disse Elza Pastore, coordenadora do albergue Bem-Vindo (capacidade de 80 leitos).
"Atualmente já é ruim. Os albergados não têm privacidade. Estamos superlotados sem ter como pôr mais beliches", afirmou Valusterno Araújo, coordenador do albergue São Francisco de Assis (que abriga 110 homens em 55 beliches em um único quarto e 20 mulheres em outro).
Sem opção, devido à infra-estrutura reduzida que tem e à falta de verba para investimentos, o secretário Farias faz um raciocínio pragmático: "É preferível apertar um pouco e descumprir a lei a deixar o sem-teto morrer no frio". "Vamos ter os 25% a mais de qualquer jeito", disse o secretário.

Longe da meta
Levantamento da Folha nos albergues, no entanto, aponta que a meta não será atingida. Somados, os abrigos podem oferecer no máximo mais 414 vagas, 15% da atual capacidade.
Isso, contando que o albergue do Glicério, consiga apertar mais 138 leitos -os 25% pedidos pelo secretário. O coordenador do Glicério, Sérgio Vicentim, disse não saber quantas vagas poderá criar.
"A lei do excluído é nossa utopia a ser atingida. Tudo o que estamos construindo e o que vier já vão respeitar os moldes", afirmou Adelina Barone, coordenadora do programa municipal de atenção à população de rua.
"Isso [a superlotação" é uma coisa herdada na cidade. Não dá para mudar o quadro de uma hora para outra", disse Adelina.
"Se formos cumprir a lei agora, vamos ter que fechar e deixar as pessoas na rua. Temos quatro anos para fazer as transformações", afirmou.
E todos terão de passar pelas tais transformações porque até os três albergues dentro da lei no número de vagas estão fora em outra exigência: atendimento 24 horas.
O Lar do Alvorescer Cristão atende cem pessoas, mas vai abrir dez vagas na Operação Inverno. O Nova Vida oferece 60 e vai criar mais seis. Já o Lygia Jardim tem dez quartos com cinco beliches, sem espaço para mais nada.
Para criar espaços, o abrigo de atendimento 24 horas localizado no viaduto Pedroso, ligado à Igreja Metodista, vai cortar atendimentos diurnos.
"Fechando alguns espaços do dia, poderemos pôr mais cem camas nessas áreas, para atender à noite", afirmou a coordenadora do abrigo Vânia Elizabeth de Araújo Rocha.
Ela explica que é a única saída, porque não tem como subdividir os espaços já usados, um quarto para 120 homens e outro para até 30 mulheres com filhos. Todos cheios na última semana.


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