São Paulo, segunda-feira, 14 de maio de 2001

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MOACYR SCLIAR

Os Guerrilheiros da Luz contra os traficantes de energia

Vale pode parar fábrica para vender energia. Desligar fábricas para vender energia no mercado secundário é uma idéia copiada da crise energética da Califórnia. Dinheiro, 10.mai.2001

No começo eram só as grandes indústrias. Depois, a coisa se generalizou, e muita gente começou a vender energia elétrica. O comércio ficou tão intenso que se tornou necessário organizá-lo: criou-se uma entidade chamada Bolsa da Luz, na qual, todas as segundas-feiras, eram realizados os chamados "leilões de energia" e ao qual compareciam centenas de pessoas. Iniciado os trabalhos, o leiloeiro anunciava:
- Senhores, tenho aqui dez megawatts de excelente energia, que será entregue de forma contínua, sem apagões. Quem dá mais?
Apesar do sucesso da Bolsa da Luz, as suas atividades geraram protestos. Se funcionou na Califórnia, tem de funcionar no Brasil, respondiam os organizadores dos leilões, mas lá pelas tantas o escândalo era de tal ordem que o governo foi forçado a intervir, fechando a Bolsa da Luz. O resultado não se fez esperar: surgiu imediatamente um mercado negro de energia. Os traficantes operavam em certos lugares das grandes cidades brasileiras. A cena era típica. Na calada da noite, e eram noites muito escuras, dois homens embuçados se encontrariam numa esquina qualquer. Depois de olhar para os lados, um deles perguntaria, entredentes:
- Trouxe a coisa?
- Está aqui comigo -responderia o outro, também em voz baixa. - Dois megawatts.
- Só dois? Mas você me prometeu cinco!
- Eu sei. Mas o negócio está muito difícil. Os caras estão em cima da gente. Fique com esses dois, que amanhã eu lhe arranjo mais.
O preço seria rapidamente discutido, e o cliente sairia dali com seus dois megawatts.
Quem não gostou da história foram os fabricantes de velas. Eles estavam apostando na crise para ganhar algum dinheiro, já que suas vendas, nos últimos tempos, haviam dependido exclusivamente da devoção religiosa, coisa sempre flutuante. No momento em que viam a luz (de vela, claro) no fim do túnel, surgia o nefando negócio. De início pediram proteção à polícia, que alegou problemas -caçar traficantes no escuro não seria fácil. Foi formado então um grupo paramilitar, "Os Guerrilheiros da Luz", encarregado de reprimir o tráfico de energia. Vários atentados foram realizados; num deles, um traficante foi violentamente espancado com um pacote de velas. Diante disso, as organizações foram desmanteladas. O chefe de uma delas foi visto, há poucos dias, no aeroporto. Iria para a Califórnia. Isso se as luzes do aeroporto funcionassem e o avião conseguisse decolar.


O escritor Moacyr Scliar escreve nesta coluna, às segundas-feiras, um texto de ficção baseado em matérias publicadas no jornal.


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