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MOACYR SCLIAR
Os Guerrilheiros da Luz contra os traficantes de energia
Vale pode parar fábrica para vender
energia. Desligar fábricas para vender energia no mercado secundário é
uma idéia copiada da crise energética da Califórnia. Dinheiro,
10.mai.2001
No começo eram só as
grandes indústrias. Depois,
a coisa se generalizou, e muita
gente começou a vender energia
elétrica. O comércio ficou tão intenso que se tornou necessário organizá-lo: criou-se uma entidade
chamada Bolsa da Luz, na qual,
todas as segundas-feiras, eram
realizados os chamados "leilões
de energia" e ao qual compareciam centenas de pessoas. Iniciado os trabalhos, o leiloeiro anunciava:
- Senhores, tenho aqui dez megawatts de excelente energia, que
será entregue de forma contínua,
sem apagões. Quem dá mais?
Apesar do sucesso da Bolsa da
Luz, as suas atividades geraram
protestos. Se funcionou na Califórnia, tem de funcionar no Brasil, respondiam os organizadores
dos leilões, mas lá pelas tantas o
escândalo era de tal ordem que o
governo foi forçado a intervir, fechando a Bolsa da Luz. O resultado não se fez esperar: surgiu imediatamente um mercado negro
de energia. Os traficantes operavam em certos lugares das grandes cidades brasileiras. A cena era
típica. Na calada da noite, e eram
noites muito escuras, dois homens
embuçados se encontrariam numa esquina qualquer. Depois de
olhar para os lados, um deles perguntaria, entredentes:
- Trouxe a coisa?
- Está aqui comigo -responderia o outro, também em voz baixa. - Dois megawatts.
- Só dois? Mas você me prometeu cinco!
- Eu sei. Mas o negócio está
muito difícil. Os caras estão em cima da gente. Fique com esses
dois, que amanhã eu lhe arranjo
mais.
O preço seria rapidamente discutido, e o cliente sairia dali com
seus dois megawatts.
Quem não gostou da história
foram os fabricantes de velas. Eles
estavam apostando na crise para
ganhar algum dinheiro, já que
suas vendas, nos últimos tempos,
haviam dependido exclusivamente da devoção religiosa, coisa
sempre flutuante. No momento
em que viam a luz (de vela, claro)
no fim do túnel, surgia o nefando
negócio. De início pediram proteção à polícia, que alegou problemas -caçar traficantes no escuro
não seria fácil. Foi formado então
um grupo paramilitar, "Os Guerrilheiros da Luz", encarregado de
reprimir o tráfico de energia. Vários atentados foram realizados;
num deles, um traficante foi violentamente espancado com um
pacote de velas. Diante disso, as
organizações foram desmanteladas. O chefe de uma delas foi visto, há poucos dias, no aeroporto.
Iria para a Califórnia. Isso se as
luzes do aeroporto funcionassem
e o avião conseguisse decolar.
O escritor Moacyr Scliar escreve nesta
coluna, às segundas-feiras, um texto de
ficção baseado em matérias publicadas
no jornal.
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