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DANUZA LEÃO
Sempre mais
É preciso querer sempre,
mesmo que se queira coisas
impossíveis. Aliás, conseguir o
que se quer não é nada: bom mesmo é enquanto se quer.
Vide as grandes paixões: você já
viu como fica um homem nos
tempos que antecedem a concretização do seu desejo? Está-se falando do desejo por uma mulher,
evidentemente.
Eles ficam loucos, não pensam
em outra coisa e dariam tudo,
mas tudo mesmo, para que o sonho pudesse se transformar em
realidade rápido, porque quem
quer alguma coisa não pode esperar. Aí o tempo passa e você vê
aquele mesmo homem com aquela mesma mulher, num clima absolutamente normal. Normal
bom, mas normal. E se ele não arranjar uma outra coisa para querer -um carro, um tênis ou um
relógio-, tudo pode ficar bem
sem graça.
Não há nada mais difícil do que
administrar uma vida em que se
tem tudo que se quer, em que todos os objetivos, praticamente, tenham sido atingidos. Aí, o que se
faz? Você, por exemplo, deve almejar muitas coisas. Uma casa,
quem não quer? Mas se já tem
uma deve estar querendo uma
maior, e se já tem uma maior deve estar querendo outra numa
praia, ou um apartamento em
Nova York, ou fazer uma viagem
que pode acontecer ou não, cinco
vestidos novos, dez camisetas,
uma de cada cor, seis sandálias, e
por aí vai. E arranjar um namorado novo, para ficar com ele enquanto o amor estiver tinindo,
porque não há tempo a perder.
Digamos que as fadas existam e
que uma delas, com um toque da
varinha de condão, faça com que
todos os seus sonhos virem realidade -todos de uma vez só.
Num primeiro momento vai ser
aquela coisa de precisar falar com
alguém, com muitos alguéns, para contar. Já reparou que não se
consegue ser feliz se não tiver um
amigo para ouvir nossas felicidades? Aí, depois do susto, você
dorme -mal, com tantas emoções-, acorda no dia seguinte, se
adapta às novas circunstâncias
(coisa facílima, quando elas são
boas) e uma semana depois percebe que, como agora tem tudo
que sempre quis, a vida ficou um
pouco sem sentido. Se junto com
seus desejos realizados estivesse
implícito que você nunca mais
desejaria nada, essa seria a tragédia definitiva.
Mas o ser humano é insaciável
-felizmente. É claro que não vai
demorar muito para que você,
que já tem tudo com que sonhou,
pense seriamente em um apartamento -um studio, apenas-
em Paris; não seria uma delícia?
Aliás, um studio, não: um dois-quartos e sala para poder levar
um amigo -e menos que isso,
melhor nem ter.
Mas para manter esse trem de
vida é preciso ter dinheiro; quanto? Com uma renda de menos de
50 mil euros, com tantas casas espalhadas pelo mundo, não vai
dar. No momento tem um emprego onde ganha R$ 7.000 e com o
qual está muito feliz. Aliás, estava, porque se esqueceu de pedir à
tal da fada uma renda (eterna)
para sustentar todos esses luxos.
Pronto, começou tudo de novo.
As coisas que lhe caíram do céu
não são mais suficientes; é preciso
mais e mais, sempre mais. Será isso excesso de ambição? Não: é
apenas uma maneira de se proteger e nunca, jamais, ficar inteiramente satisfeita com o que já tem,
e sendo assim, continuar viva.
Atitudes de conformismo nunca
levaram ninguém a nada, e viva
os que estão querendo sempre
mais, em todos os sentidos.
Melhor do que ir à festa é esperar por ela -disso se sabe desde
que o mundo é mundo-, e não é
que é mesmo? Essa tal de sabedoria popular é tão profunda que a
gente passa a vida rindo dela e
um dia percebe que ela está sempre com a razão.
Por isso, não se policie com os
absurdos que passam por sua cabeça; não pense que é demais
querer mais, que deveria se sentir
uma privilegiada por ter um teto,
uma boa saúde, um bom emprego
e nenhum problema -grave-
rondando. Mesmo lembrando
que existem pessoas passando por
necessidades -e quem nunca ouviu dizer que a gente deve se conformar com o que tem?
Pois é tudo mentira: deseje tudo, muito, o tempo todo, coisas
possíveis e impossíveis, não necessariamente para ter, mas para
não morrer em vida.
E-mail - danuza.leao@uol.com.br
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