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VIOLÊNCIA
Pela primeira vez, parentes passaram por acompanhamento psicológico durante negociação com os criminosos
Trauma de seqüestro atinge toda a família
GILMAR PENTEADO
DA REPORTAGEM LOCAL
Na família de João (nome fictício), 48, apenas uma pessoa foi
feita refém, mas ninguém saiu ileso no final do seqüestro. João sofreu um infarto à beira da praia,
dez dias depois de sua filha ter sido libertada. O seqüestro durou
87 dias e a família teve de pagar o
resgate duas vezes.
Maria (também nome fictício),
42, mãe da família, não consegue
dormir hoje mais do que quatro
horas por noite, tem crises de choro e de medo. O filho mais novo,
de 14 anos, tem dificuldade de
concentração na escola. A filha de
19 anos, alvo do seqüestro, apresenta quadros de irritabilidade.
Os sete assaltos sofridos anteriormente pelo casal, inclusive
com disparos de armas de fogo,
não resultaram em nenhum trauma. As reações de João, a mulher e
filhos ao seqüestro, porém, foram
bem mais graves e confirmaram o
que especialistas já tinham percebido: as seqüelas psicológicas do
seqüestro, o chamado transtorno
de estresse pós-traumático, podem atingir a família inteira.
Essa confirmação surgiu de um
acompanhamento psicológico
inédito. Pela primeira vez, o Gorip
(Grupo Operativo de Resgate da
Integridade Psíquica), que atende
vítimas de seqüestro desde 2002
no HC (Hospital das Clínicas) de
São Paulo, acompanhou os familiares de um refém nos momentos
de espera e de negociação com os
seqüestradores.
João e sua família foram atendidos em casa por duas psicólogas.
"No início, eu estava em estado de
choque. Com as conversas, fui me
tranquilizando", disse Maria. O
acompanhamento começou no
10º dia de seqüestro. "Eu queria
andar, andar, porque achava que
poderia encontrar a minha filha."
Maria trazia a filha de carro
quando, no portão de casa, dois
seqüestradores levaram a jovem.
O primeiro contato ocorreu quatro dias depois. O resgate foi pago
no começo do ano, mas a jovem
não foi solta. Mais de um mês depois, os seqüestradores ligaram
pedindo mais dinheiro.
As conversas com a psicóloga
ajudaram Maria a manter a calma
quando, no segundo pedido de
resgate, o criminoso a escolheu
como negociadora. Foi ela quem
levou o dinheiro ao local indicado
pela quadrilha.
Apesar de em menor freqüência, João também conversava com
as psicólogas. "Isso me ajudou. A
pior fase é a da raiva. Você quer
matar os caras. Só que você precisa manter os pés no chão, precisa
entender a situação", afirmou.
Trauma maior
Para a psicóloga Miriam Sinione
Menezes, especialista em saúde
mental, que acompanhou a família pelo Gorip, o trauma de familiares pode até ser maior do que o
da vítima. "A vítima sabe o que
acontece com ela. Mas a família
tem uma visão mais fantasiosa, e
sofre por isso. Nossa intenção é
trabalhar essa angústia, diminuir
esse imaginário se apegando em
dados da realidade", afirmou.
Segundo o coordenador do Gorip, o psiquiatra Eduardo Ferreira-Santos, o serviço já atendeu
quatro famílias de vítimas de seqüestro -só no caso de João, no
entanto, que especialistas acompanharam os momentos de negociação. "Os estudos só se preocupavam com o refém como vítima
primária e tratavam os familiares
como vítimas secundárias. Só que
o trauma dos familiares pode ser
igual ou até maior do que o do refém", disse Ferreira-Santos.
A idéia do Gorip é aumentar o
atendimento aos familiares das
vítimas ainda a partir deste ano.
"O trauma abala toda a estrutura
familiar", disse a psicóloga Mônica Mauro, que possui mestrado
em terapia familiar.
Pânico
Nem mesmo o atendimento
psicológico durante o seqüestro
evitou o aparecimento de seqüelas na família de João. Além do casal e dos filhos, um sobrinho, que
foi o negociador até o pagamento
do primeiro resgate, também
apresentou sintomas de estresse
pós-traumático (irritação, problemas de sono e ansiedade).
De todos, a reação de João foi a
mais grave. Ele sofreu um infarto
dez dias depois do final do seqüestro. "Eu sou mais calado, somatizo as coisas." Maria também
diz que a vida não é a mesma.
"Hoje eu vivo com medo de todo
mundo. Meu pânico são as pessoas", afirma.
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