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MOACYR SCLIAR
O viúvo da cabra
E então o inesperado: a cabra teve um filhote. Que não era dele. Quanto a isso, não podia haver qualquer dúvida
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A cabra mais conhecida do Sudão morreu meses depois de ter sido "casada" com
um homem na capital da parte sul do
país, Juba. Os líderes locais ordenaram
que um homem surpreendido fazendo
sexo com a cabra (batizada de Rose), "casasse" com ela. "A idéia era envergonhá-lo
publicamente", disse Tom Rhodes, editor
do jornal "Juba Post", primeiro veículo a
noticiar o fato.
Acredita-se que Rose tenha morrido
após engolir um saco plástico quando
procurava comida nas ruas. Depois do
casamento, Rose teve um filhote macho
-mas "não-humano", disse Rhodes. O
"marido", Charles Tombe, disse que estava bêbado na época em que foi flagrado.
A notícia do "casamento", divulgada pela
BBC, acabou registrando mais de 20 mil
acessos por dia na internet. "A reportagem não mostra o Sudão de maneira negativa, mostra que os sudaneses têm senso de humor", afirmou Tom Rhodes. Ele
explica que o sul do Sudão tem uma sociedade conservadora: se um homem é
surpreendido dormindo com uma mulher, recebe ordem de se casar com ela
para salvar a honra dela e da família.
Em razão dessa tradição, Tombe foi punido depois que o dono da cabra o encontrou com seu animal e reclamou junto
aos líderes anciãos. Eles deram ordem
para que Tombe pagasse um dote equivalente a US$ 50 na época e a dar um nome para a cabra.
Folha Online
LOGO DEPOIS do funeral, o viúvo
da cabra entrou em profunda
depressão. O que pode parecer surpreendente, dadas as circunstâncias em que se realizara o
casamento, aparentemente o castigo de um transgressor. Na realidade,
porém, Charles amava Rose. À imprensa e aos amigos declarou que estava bêbado quando foi flagrado em
pleno intercurso com a cabra. Mas
estava apenas dizendo o que as pessoas queriam ouvir. O fato é que sua
paixão por Rose vinha de longe, desde a época em que ela era uma trêfega cabritinha, correndo e balindo
pelas ruas do bairro. "Um dia você
será minha", ele pensava. E quando a
oportunidade surgiu, numa noite
enluarada em que ambos estavam a
sós na via pública, não hesitou e foi
em frente. Sentiu que era correspondido, e isso só fez aumentar ainda mais o seu ardor.
Não sabia, claro, que estava sendo
espiado, e que a denúncia seria levada aos anciãos encarregados de vigiar os padrões morais da comunidade. Obrigaram-no a casar. Fingiu
contrariedade, como todos esperavam; até reclamou do dote que teria
de pagar. No fundo, porém, estava
vibrando. Era seu sonho que agora
se realizava e, para todos os efeitos,
se legitimava.
E então o inesperado: a cabra teve
um filhote. Que não era dele. Quanto
a isso, não podia haver qualquer dúvida: não existia a menor semelhança entre ambos, mesmo porque o recém-nascido era um cabritinho.
Ciúmes terríveis apossaram-se de
Charles. Então, Rose o traía! E, pior,
traía-o com um bode! Uma humilhação que não podia suportar. Passou a vigiá-la cuidadosamente, mas
não conseguiu descobrir nada. Pelo
jeito, o amante caprino era esperto.
Simplesmente, não aparecia.
E aí a cabra morreu. Por causa dele, aliás. Como, revoltado, não lhe
dava mais comida, ela vagava pelas
ruas, mastigando o que encontrava.
Comeu um saco plástico que acabou
causando-lhe o óbito.
Ele sofreu com a morte da ingrata.
Mas, ao mesmo tempo, continua
pensando em vingança. O que fará
traindo a memória dela. Arranjará
uma nova amante. Não outra cabra,
que nessa espécie não mais confia.
Mas é só questão de tempo para que
ele seduza a ovelha do vizinho.
MOACYR SCLIAR escreve nesta coluna, às segundas-feiras, um texto de ficção baseado em matérias publicadas na Folha de S.Paulo.
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