São Paulo, quinta-feira, 14 de maio de 2009
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PASQUALE CIPRO NETO Implícitos ou fantasmagóricos?
NA SEMANA PASSADA, comentei o uso (indevido) do acento indicador de crase (acento grave) em "febre superior à 39 graus", trecho presente em um aviso do Ministério da Saúde exposto em painéis de aeroportos do país. Pois foi tiro e queda! Surpresos com a afirmação de que não ocorre crase no caso em tela, vários leitores perguntaram se não seria possível justificar a presença do acento grave com a omissão de algum termo ("febre" e "temperatura" foram os mais citados). A resposta é não. Não e não. Vejamos por quê. Tome-se este exemplo, muito comum em textos jornalísticos: "A proposta dos alemães é idêntica à dos chineses". O que explica o uso (corretíssimo) do acento grave nessa passagem? Bem, como já vimos na semana passada (e em outros textos), o acento grave indica a crase, ou seja, a fusão da preposição "a" com um segundo "a", que quase sempre é artigo definido feminino. No exemplo visto, ocorre a fusão da preposição "a", regida pelo adjetivo "idêntica" (se uma coisa é idêntica, é idêntica a), com o "a" relativo ao substantivo feminino (implícito) "proposta". Se explicitássemos o termo, teríamos isto: "A proposta dos alemães é idêntica à proposta dos chineses". Usando o velho artifício da troca do substantivo feminino por um masculino (como "argumento"), teríamos a necessidade de trocar "à" por "ao", o que funciona como elemento de "prova" de que o "à" é mesmo "à": "O argumento dos alemães é idêntico ao dos chineses". Convém lembrar que, no exemplo visto -e em outros similares, como "Sua camisa é igual à dele", "A média brasileira é inferior à argentina" ou "A produção do Brasil é superior à da Espanha"-, deixa-se implícito um substantivo ("camisa", "média" e "produção", respectivamente) cuja explicitação deixa a frase absolutamente redonda, fechada, conexa. Vejamos: "Sua camisa é igual à camisa dele", "A média brasileira é inferior à média argentina", "A produção do Brasil é superior à produção da Espanha". Posto isso, voltemos à frase dos painéis e tentemos o mesmo processo, ou seja, a explicitação dos termos supostamente implícitos: "...febre superior à temperatura 39 graus"; "...febre superior à febre 39 graus". Que tal? As construções são evidentemente desconexas, não? Mutatis mutandis, algumas pessoas fazem a mesma pergunta quando se emprega mal o acento grave em "Fulano chegou à Paris" ou "Beltrano foi à Curitiba". E qual é a pergunta? Vamos lá: "Não se pode pensar que está subentendida a palavra "cidade'?". Não e não. Antes de mais nada, que fique claro: não há acento grave nesses casos, já que "Paris" e "Curitiba" rejeitam o artigo feminino. As formas corretas são mesmo "...chegou a Paris" e "...foi a Curitiba". Pois bem. Nem é preciso recorrer à explicitação da palavra "cidade" para que se comprove a inadequação do acento indicador de crase nos dois exemplos. Basta pensar em verbos que rejam outras preposições. Que tal "gostar" e "morar"? Alguém diria "Fulano gosta muito da Paris" ou "Beltrano mora na Curitiba" e explicaria esse uso de "da" e "na" com a omissão da palavra "cidade"? Certamente não. Então, se não se diz/escreve "Fulano gosta da Paris" ou "Beltrano mora na Curitiba", nada de "Fulano foi à Paris" ou "Beltrano chegou à Curitiba". Nada de complicar o que não é tão complicado assim. É isso. inculta@uol.com.br Texto Anterior: Grupo aproveita e faz arrastão entre os carros Próximo Texto: Trânsito: CET libera via no Ipiranga que estava em obras para o metrô Índice |
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