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LETRAS JURÍDICAS
Dúvidas nas liminares dadas e cassadas
WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA
O exercício simultâneo
de duas profissões tão distintas como são as de jornalista e
de advogado cria-me problemas
muitas vezes intransponíveis. É
sempre difícil, por exemplo, explicar ao leitor não ligado ao mundo
jurídico como é possível a sucessão de decisões contraditórias em
liminares concedidas e cassadas
(lembram-se da transmissão do
futebol pela Globo e pelo SBT?)
com poucas horas de diferença
num Judiciário proverbialmente
lento e até lentíssimo em muitos
casos.
Para o operário do Direito, é
preocupante saber que essa espécie de samba do crioulo doido da
Justiça contribui para desprestigiar o papel do Poder Judiciário.
Ele quer saber, em segundo lugar,
se há meio de impedir o fenômeno e, antes disso, se é bom tentar
impedi-lo.
Nessa matéria o trabalhador jurídico e a sociedade ficam em
campos diferentes. Aquele, afeiçoado às questões processuais, encara os despachos liminares contraditórios com relativa naturalidade, em particular nos períodos
de férias forenses, que retornarão
em julho. São magistrados substitutos e substituídos, cada um deles livre e independente para manifestar seu próprio entendimento. A naturalidade dos profissionais da área existe porque sabem
que se trata de resoluções de urgência, distintas da solução de
mérito, que virá com o conhecimento integral do processo, em
que a completa avaliação das disputas será possível.
A opinião dos juristas é absolutamente minoritária pelo número deles em face do conjunto de
toda a sociedade, por serem complicadas as explicações necessárias, tornando quase impossível
chegar a um terreno comum. A
confusão é maior nas disputas
mais escandalosas, atingidas pela
divulgação instantânea e nem
sempre suficientemente esclarecedora. Contribui para a confusão o
fato reconhecido de que o exercente do jornalismo raramente
está treinado para compreender
os meandros tortuosos da arte
processual. As liminares são transitórias, aplicáveis quando o juiz
considere que, se aguardada a decisão final, sempre demorada, será inútil ante os prejuízos causados.
A sucessão de liminares pró e
contra cada um dos disputantes
evidentemente não prestigia o Judiciário pelas incertezas criadas
na massa do povo. Subsiste na
consciência popular uma dúvida
séria sobre quais seriam as verdadeiras causas do vai-e-vem da
Justiça. Serão jurídicas? Serão políticas? Quais as influências dominantes? Haveria outro caminho?
Sem falar que há liminares e cassações que nem os profissionais
jurídicos entendem.
Contribui para tornar mais fechado o cipoal da Justiça saber
que as liminares envolvem urgentes interesses contrapostos, que o
juiz tem de decidir, mesmo que a
lei seja mal escrita ou omissa. A
solução salomônica de cortar em
dois o objeto da disputa é geralmente inviável. O dever de decidir
se impõe, porquanto a palavra final sempre cabe à magistratura
na forma da lei. Assim é por fidelidade ao preceito constitucional
de que nenhuma lesão ou ameaça
a direito pode ser excluída da
apreciação pelo Poder Judiciário
(artigo 5º, inciso XXXV).
A atualização do "salomonismo" jurídico levaria, quando fosse permitida, a resolver logo o mérito das disputas e outorgar rapidamente o direito a quem o juiz o
reconhecesse, depois de todas as
provas serem bem sopesadas sob
a luz da lei bem aplicada, ultrapassando as liminares. Isso é quase impossível. A decisão final, de
mérito, com a apreciação integral
dos direitos envolvidos, é coisa
para anos a fio. Não nos iludamos, pois a ciranda continuará.
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