São Paulo, domingo, 14 de julho de 2002

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VIOLÊNCIA

Estudo mapeia regiões da capital onde é maior a possibilidade de que jovens se envolvam com a delinquência

"Contágio" pelo crime ameaça extremos de SP

ALESSANDRO SILVA
GILMAR PENTEADO
DA REPORTAGEM LOCAL

Um terço dos jovens da cidade de São Paulo vive em regiões de elevado risco de contágio pela violência urbana. São 336,1 mil adolescentes com idades entre 15 e 19 anos expostos a situações cotidianas que podem abrir caminho para a delinquência.
Essa exposição direta e constante não provoca, necessariamente, uma "contaminação" -assim como ocorre com o organismo humano, há pessoas que são mais resistentes do que outras e acabam não sendo afetadas.
Mas existe o risco. A identificação da fragilidade dessas áreas de São Paulo deveria orientar a aplicação de recursos públicos para prevenir a violência, segundo a socióloga e demógrafa Felícia Reicher Madeira, diretora-adjunta de análise socioeconômica da Fundação Seade (Sistema Estadual de Análise de Dados).
A pesquisadora acaba de criar um índice inédito para medir o que ela chama de ""vulnerabilidade juvenil" -o IVJ. Trata-se de um mecanismo desenvolvido para avaliar o quanto os adolescentes podem estar ""sensíveis à possibilidade de serem contaminados por algum processo de transgressão", como ela define.
E não faltam oportunidades de ingresso no mundo do crime, seja pelo contato com traficantes, gangues ou pequenos delitos. Há na cidade 1 milhão de desempregados -9,6% da população-, com maior avanço entre os jovens de 18 a 24 anos e acima dos 40.
Entre os autores de sequestro -o crime que mais cresceu no Estado desde 2000- presos neste ano há um perfil que se destaca: eles são jovens -têm entre 18 a 30 anos (75%)-, de baixa renda e estão desempregados (90%), conforme pesquisa da Polícia Civil.
Na Febem (Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor), hoje, 45% dos adolescentes internados por terem cometido infrações saíram da capital -1.800 garotos.

Classificação

Pelo método da Seade, os bairros paulistanos foram classificados em cinco grupos, conforme pontos que acumularam segundo uma série de indicadores sociais.
Logo abaixo do grupo mais vulnerável, vivem outros 336,1 mil jovens de 15 a 19 anos -31% do total dessa população. Nos dois grupos de bairros mais vulneráveis vivem hoje 65% dos jovens dessa idade.
A intenção da Seade é aperfeiçoar o método porque os distritos apresentam diferentes cenários de risco de contágio. Esse detalhamento, diz Madeira, ajudaria a focalizar mais os locais que precisam de intervenção do Estado.
O IVJ (Índice de Vulnerabilidade Juvenil) foi elaborado a pedido da Secretaria de Estado da Cultura, que tenta financiamento do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) para a implantação de programas na periferia da capital e precisava comprovar a necessidade dos recursos.
O índice da Seade se preocupou com os jovens, segundo Felícia Madeira, porque a adolescência é um período de vida turbulento, o que torna essa população mais vulnerável à contaminação.
Prova disso é que a morte violenta entre os jovens no país, por homicídio, fez a estatística de assassinatos crescer. A taxa nacional de vítimas entre jovens de 15 a 24 anos passou, em duas décadas, de 30 (1980) para 52,1 (2000) por grupos de 100 mil, de acordo com o estudo ""Mapa da Violência 3", elaborado pela Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura) e divulgado no início de maio.
No restante da população, porém, a taxa de mortalidade violenta manteve-se estável, de 21,3 para 20,8 por grupo de 100 mil no mesmo período. Nas capitais brasileiras, 43% das mortes entre os jovens foram provocadas por homicídios, enquanto a média do país ficou 4,7%. Em São Paulo, a taxa de mortalidade nessa faixa etária foi 138,8, mais que o dobro da média do país -52,1 homicídios por 100 mil jovens.
Outro fato que chamou a atenção da pesquisadora foi a ""onda jovem" que atingiu o país na década passada, resultado ainda do ""baby boom" na década de 70. ""Mesmo com a queda de fertilidade no país, houve um grande número de nascimentos dessa geração [dos anos 70"", afirma a matemática e demógrafa Alícia Bercovich, da coordenação do comitê do censo 2000 do IBGE.
Na década de 80, a população de jovens (15 a 24) recebeu um incremento de 3,7 milhões de pessoas. Nos anos 90, esse número saltou para 6 milhões, conforme estudo feito por Madeira e Bercovich.
E justamente uma parte dessa população, mais precisamente de 20 a 24 anos, que tenta se encaixar no restrito mercado de trabalho.
A estimativa é que a população brasileira jovem cresça bem menos nos próximos dez anos, perto de 200 mil, conforme estimativa do estudo sobre a ""onda jovem". Enquanto isso, irá aumentar a população de idosos no país e carências de políticas para esse grupo.



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