São Paulo, domingo, 14 de julho de 2002

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VIOLÊNCIA

Paulo (nome fictício) aposta que destino de filho menor será diferente do da irmã, envolvida com o tráfico de drogas

Pai "perde" filha, mas ainda tem esperança

DA REPORTAGEM LOCAL

Ser pai em Cidade Tiradentes, no extremo leste de São Paulo, custa uma dose extra de preocupação. E de esperança. Paulo (nome fictício) reconhece que "perdeu a filha para as drogas", mas acredita que será diferente com o filho menor.
Envolvida com o tráfico de drogas, a filha foi presa três anos atrás. Foi considerada apenas usuária pela Justiça e depois libertada. Depois disso, abandonou os estudos, teve trabalhos esporádicos e hoje está desempregada.
"Na idade dela, poderia estar se formando. Mas está por aí. Sei que ela não abandonou a droga", afirmou o pai, que pediu que seu nome, dos seus filhos, a idade deles e sua função não fossem divulgados por medo de ser discriminado na região.
Paulo acredita que o destino de sua filha poderia ter sido diferente se eles vivessem em outro lugar. Apesar de reconhecer que a separação da sua mulher mexeu com a cabeça de sua filha, ele acredita que a falta de perspectiva e de alternativas do lugar também influenciou nas escolhas erradas.
"Até o visual feio, abandonado, influencia. Aqui não tem oportunidades como existem em outros locais", afirmou. O local de lazer mais próximo fica a 15 km, segundo ele. "Aqui só tem campinho para jogar pelada", desabafou.
Apesar da frustração com a filha mais velha, o pai acredita que o filho menor tenha um futuro diferente. A estratégia é dar conselhos e fazer um acompanhamento mais de perto. "Ele tem demonstrado interesse em vários cursos. Tem uma cabeça boa", afirmou.

Revolta
Mas nem todos respondem com revolta e agressividade aos problemas familiares e do lugar. Abandonado aos cinco anos com os três irmãos, Washington Augusto Luiz, 16, nem lembra do rosto da mãe. Viveu sete anos em um internato até ser encontrado pelo pai, um gráfico que ganha R$ 280 por mês.
Na última quinta-feira, ele era um dos mais de cem formados do curso de cooperativismo da ACT (Ação Comunitária Tiradentes). "Eu vim para cá para fugir da rua, da malandragem", disse o aluno.
Ex-servente de pedreiro, hoje desempregado, Luiz disse que recusou vários convites para usar drogas ou participar de assaltos. "Se não tiver a cabeça forte, pode tropeçar", afirmou.
Morar na Cidade Tiradentes também pode significar um obstáculo a mais na busca pelo emprego em outras regiões de São Paulo. "Os jovens daqui enfrentam muito preconceito lá fora. Um problema a mais para quem já nada contra a maré", afirmou Adaílson Ferreira da Silva, 30, psicólogo da ACT (Ação Comunitária Tiradentes).
Segundo o presidente da associação de moradores de Cidade Tiradentes, João Santos, 46, muitos habitantes do local chegam a informar endereços de parentes em outras regiões da cidade nas entrevistas de emprego. A associação realiza cursos profissionalizantes e programas de assistência à família, com verbas dos governos federal e estadual.
"A incidência de crimes é baixa para um lugar tão povoado que não tem uma biblioteca pública, uma agência bancária ou um centro de lazer", disse o delegado do 54 DP (Cidade Tiradentes), José Francisco Rodrigues Filho.
Ele assumiu o cargo há quatro meses, depois que marginais deram rajadas de metralhadores e jogaram uma bomba na delegacia, na tentativa de libertar o integrante de uma quadrilha de ladrões de carro sediada no lugar.
Apesar de jovens nomearem facilmente os grupos rivais de traficantes, indicarem os pontos-de-venda e relatarem antigos e novos enfrentamentos entre eles, o delegado afirma que a região possui apenas "microtraficantes".
"O maior envolvimento dos jovens ocorre nos roubos de carro", disse Rodrigues. Com 17 anos de experiência, ele afirma que o perfil do preso -jovem e de baixa renda- não é privilégio de Cidade Tiradentes. "Não é diferente na periferia ou bairros considerados mais nobres", disse.


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