São Paulo, domingo, 14 de julho de 2002

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DANUZA LEÃO

Traições

Você já traiu? Ninguém gosta de confessar, mas é claro que sim.
Nós todos já traímos, em pequena ou grande escala, e a traição é apenas a substituição de uma situação que existe -seja ela de que ordem for- por outra que nos parece mais atraente. Ao fim e ao cabo, como dizem além-mar, a traição não é mais do que a esperança de viver melhor, e quem trai está pensando só em si mesmo -com mais ou menos culpa.
Quando você troca de cabeleireiro sem razão só porque ouviu dizer que surgiu um novo no pedaço, não deixa de ser uma traição. A prova é que, se você, andando na rua, vê o antigo vindo pela mesma calçada, disfarça e procura não cruzar com ele para não ouvir o inevitável "você sumiu". Uma traição boba, mas uma traição, que acontece o tempo todo com o médico, o dentista, o agente de viagem, o restaurante, os amigos; é sempre igual, e traidores somos todos.
A traição política é diferente: trata-se de conveniência, de interesse, uma questão de negócios, praticamente. Todos querem estar o mais perto possível do poder, pois, além do prestígio, há sempre a possibilidade de vantagens e empregos para a família. Convenhamos: é preciso respeitar esse tipo de traição. Afinal, é do futuro dos filhos que se trata e, quando se fala de filhos, tudo pode ser perdoado, segundo alguns.
Mas existem as traições de amor, bem mais complicadas. O fundamento é sempre o mesmo: quem trai está à procura de mais bem-estar, mais prazer, mais felicidade. É lícito e acontece o tempo todo, mas é tão difícil abandonar quanto ser abandonado. O abandonado passa a duvidar de suas qualidades -e quem foi deixado acha que tem alguma?- e nem consegue saber qual a dor maior: viver sem a pessoa amada ou achar que nunca, jamais, vai ser amado de novo. É duro.
Nenhuma das duas coisas tem a ver com a realidade, mas nem tente falar de realidade com alguém que está sofrendo por amor e, já que estamos tratando do tema, uma das primeiras obrigações é perceber quando o amor começa a acabar. Nessa hora, apaixonar-se por outra pessoa pode acontecer com qualquer dos dois, só que a situação de quem se toca primeiro (e vai embora primeiro) é sempre melhor. O outro, coitado, fica penando.
É difícil deixar alguém, e há sempre um preço a pagar: se fosse possível ir embora sem precisar conversar, explicar, discutir a relação, tudo bem. Mas quem toma a decisão vai ter que passar pelo menos uma madrugada de cão, e o outro não costuma aliviar. Pensando bem, não deixa de ser uma certa vingança -absolutamente normal-, do tipo "você pode ir, mas vai ter que me rejeitar com todas as palavras e saber que me deixou sofrendo". É raro saber de alguém que, ao ser abandonado, tenha dito, ao primeiro sinal: "Vai, mas não explica". Já pensou o alívio? Quem conseguir fazer isso não sabe o quanto vai se sentir melhor -ou menos mal, pelo menos. Por quê? Porque o outro vai ficar na dúvida: "Será que ela tem alguém e eu não percebi?". Não é melhor do que chorar?
Mas tem o pior: é quando alguém deixa o outro para ficar só. Essa é a rejeição total e absoluta. Não se trata de ser substituída por uma talvez mais bonita, mais jovem ou mais sexy. Se alguém te abandona por nada, por ninguém, é o horror total.
Mas isso não costuma acontecer porque falta à maioria das pessoas lucidez; elas somente se dão conta de que o amor acabou quando acham que estão gostando de outro.
E aí começa tudo de novo.
E-mail - danuza.leao@uol.com.br


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