São Paulo, domingo, 14 de julho de 2002

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SAÚDE

Representantes brasileiros comemoram participação em encontro internacional e oferecem know-how a países pobres

Brasil foi destaque de conferência de Aids

AURELIANO BIANCARELLI
ENVIADO ESPECIAL A BARCELONA

O Brasil deixa a 14ª Conferência Internacional de Aids de Barcelona, encerrada na sexta-feira, com a sensação de que "ganhou todas". Não havia taça em disputa, nem gritos de "penta", mas em todos os sete dias do encontro realizado na Espanha houve trabalhos, apresentações e entrevistas de imprensa colocando o país no centro do cenário.
"Foi a conferência do Brasil", resumiu Paulo Teixeira, coordenador do Programa Nacional de Aids, fazendo um balanço da semana de trabalhos.
Já no domingo passado, durante a abertura do encontro, o representante das Nações Unidas citou o programa brasileiro de troca de seringas como modelo a ser seguido pelos países cuja epidemia disparou por conta do uso de drogas injetáveis.
A Rússia e as nações da antiga União Soviética formam a região onde a Aids cresce mais rapidamente, justamente por causa da droga. Para comandar as operações nessa área, o programa das Nações Unidas para a Aids (Unaids) acaba de indicar o brasileiro Pedro Chequer. Ex-coordenador do Programa Nacional de Aids, Chequer representava a Unaids no Cone Sul.
Na terça-feira, o Brasil reuniu a imprensa internacional para anunciar um programa de cooperação para dez países. Está oferecendo US$ 1 milhão ao ano em medicamentos, além de assistência técnica, para que esses países produzam genéricos para combater a Aids. Em várias apresentações, a política brasileira de produção de remédios, de enfrentamento com laboratórios para redução dos preços, e a disputa com os Estados Unidos na questão das patentes, foi citada como modelo.
O jornal catalão "El Periódico" de Barcelona dedicou sua manchete de sexta-feira às propostas brasileiras. "Brasil propõe rebelião contra os laboratórios", anunciou. Sob a foto do ex-presidente norte-americano Bill Clinton, que participou do encerramento da conferência, uma submanchete afirmava que ele "apóia os países pobres na redução dos preços dos medicamentos". Nas duas palestras que fez, Clinton sugeriu às nações que procurem o Brasil caso os laboratórios não reduzam seus preços.
Na última quinta-feira, depois de participarem da gravação de um programa especial para a MTV, Clinton e Teixeira conversaram durante 15 minutos. "Clinton me perguntou se uma mudança de governo poderia trazer problemas para o programa de Aids", disse Teixeira. "Respondi que o programa tem 20 anos e que a sociedade não permitirá nem mudanças nem atrasos."
Os dois conversaram sobre a importância que a produção de genéricos da Aids, "iniciada pelo Brasil", tinha no combate à epidemia. E na necessidade de participação dos países ricos na formação do Fundo Global para a Aids.
Segundo Teixeira, também a criação desse fundo se deve em grande parte ao empenho brasileiro nos últimos anos.
Nas entrevistas e nos discursos, eram citados os 30 projetos de apoio a países pobres que o Brasil desenvolve. Numa parceria com o grupo Médicos Sem Fronteiras, o governo brasileiro passou a doar medicamentos fabricados pelo Far-Manguinhos, laboratório do Ministério da Saúde, para 70 doentes sul-africanos. A recuperação desses pacientes foi tão expressiva que provocou críticas de autoridades da África do Sul, já que centenas de outros pacientes passaram a pedir remédios.
Nos debates sobre ética em pesquisa, o jornal da conferência deu destaque à apresentação do professor Dirceu Greco, da Universidade Federal de Minas Gerais, que chamou a atenção para as tentativas de associações médicas norte-americanas para mudar a Declaração de Helsinque. "Querem permitir nas pesquisas o uso de placebo [droga inócua", mesmo quando já há uma droga sabidamente eficaz, o que significa risco de morte para o paciente", diz Greco. "O Brasil e a África do Sul vêm resistindo."
Entre os sete "jovens cientistas" premiados na conferência, um era a brasileira Valéria Oliveira Cruz, que falou sobre o programa do país contra a Aids. Nas conclusões de temas do congresso -epidemiologia, prevenção, e tratamento- todos citavam o Brasil. Dos 8.000 trabalhos apresentados na conferência, 800 eram brasileiros. Cerca de 200 países participaram do encontro.
Na plenária final, um dos convidados aplaudidos foi Paulo Teixeira, que se sentiu à vontade -e no direito- para chamar a atenção dos países pobres para seus preconceitos e suas políticas que negligenciam a saúde, e para dar um "puxão de orelha" nos chamados países ricos.
As cores do Brasil apareceram até nos protestos. Na quinta-feira, a manifestação latino-americana por direito a tratamento tinha entre seus líderes o brasileiro José Araújo, do Grupo de Incentivo à Vida, de São Paulo. "Não podemos permitir que o Brasil feche os olhos para os doentes dos países vizinhos", afirmou. Ele falou agitando uma bandeira brasileira.


O jornalista Aureliano Biancarelli viajou a convite do laboratório Abbott


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