São Paulo, domingo, 14 de julho de 2002

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MATRIMÔNIO

Crescem pedidos de nulidade de uniões no religioso, o que reassegura o direito de participar dos sacramentos

Brasileiro volta à igreja para "descasar"

FREE-LANCE PARA A FOLHA

DA AGÊNCIA FOLHA
DA REPORTAGEM LOCAL

Ao mesmo tempo em que o brasileiro se casa menos na igreja -e nos cartórios- e aposta nos casamentos informais, como aponta o Censo 2000, cresce o número dos que requerem a nulidade seu casamento na Igreja Católica para reconquistar o direito de participar dos sacramentos e, eventualmente, serem autorizados a contrair segundas núpcias.
Somente no Tribunal do Juízo Regional do Rio de Janeiro, que atende também Duque de Caxias, Nova Iguaçu e outros municípios da região metropolitana, são cerca de 120 pedidos de nulidade por mês, de acordo com o padre Abílio Vasconcelos, juiz do tribunal e diretor do Instituto Superior do Direito Canônico -filial da Universidade Gregoriana de Roma. Segundo o Censo 2000, o Rio é o Estado que tem menor percentual de católicos (57,2%). De 1900 a 1950, apenas dois pedidos de nulidade foram concedidos no Rio.
Atualmente, há 15 tribunais eclesiásticos no país. "A igreja deu forma jurídica mais organizada à questão", diz o advogado Henrique Lopes, 58, que faz mestrado em direito canônico para atuar nos tribunais eclesiásticos. "Antes da decisão do Concílio Vaticano 2º, os processos de nulidade se concentravam no Vaticano. Era dificílimo conseguir o benefício."
Em São Paulo, onde 70,8% se declararam católicos no censo, a Folha apurou que os pedidos praticamente duplicaram de 1995 a 2001, embora o tribunal não tenha divulgado os números.
Em Minas, Estado com 78,9% de católicos, o aumento no número de declarações de nulidade de casamentos pelos tribunais eclesiásticos está criando um consenso na igreja: é necessário instalar a pastoral dos descasados.
No tribunal que abrange a Grande Belo Horizonte, foram 120 pedidos de nulidade no ano passado. Em 2000 foram registrados 90. Até abril deste ano, 60 pedidos deram entrada no tribunal.
O Censo 2000 revela que tem crescido o número de pessoas que não se casam nem no civil nem no religioso. Em 1991, 57,8% dos que se uniram optaram pelo formato tradicional de casamento: civil e religioso. Em 2000, foram 50,1%, queda de 13%. Houve também diminuição do número de casamentos só no religioso: eram 5,2% em 1991 contra 4,3% em 2000 -redução de 17%.
Segundo o censo, 18,3% das pessoas que viviam em união conjugal em 1991 não eram casadas nem no civil nem no religioso (não só católico). Esse percentual aumentou para 28,3% em 2000. Já o número de uniões no civil e no religioso caiu de 57,8%, em 1991, para 50,1%, em 2000.

Motivos
O casamento de Gregório Fontan Soto e Elizabeth João Soto, na paróquia de Santa Margarida Maria, na Lagoa (zona sul do Rio), teve cerimônia igual à de qualquer outro da Igreja Católica. Soto, 59, estava se casando pela segunda vez e havia conseguido tornar nula sua primeira união. "Eu queria filhos, ela não. Com base nisso obtive a nulidade e pude não só me casar de novo como voltar a comungar durante a missa", conta.
O argumento utilizado pelo advogado de Soto -negativa da prole- é um entre os 21 motivos que podem ser alegados diante dos juízes dos tribunais eclesiásticos para a obtenção da declaração de nulidade do casamento. As regras, criadas por decisão do Concílio Vaticano 2º, nos anos 60, passaram a vigorar em 1983.
Segundo a igreja, os casamentos que estão sendo considerados nulos nunca tiveram a bênção de Deus. A instituição não anula casamentos, mas conclui que uma determinada união não foi válida e, portanto, nunca existiu.
O pedido de nulidade é encaminhado por um advogado e passa por três juízes. Vai para segunda instância em outra arquidiocese e, caso não seja aprovado, segue para a última instância, a Rota Romana, sob a direção do papa.
O padre Abílio Vasconcelos afirma que o processo está praticamente aprovado quando vai para a segunda instância. Mais de 70% conseguem a nulidade.
Quem pode pagar pela ação de nulidade, paga sete salários mínimos para as custas processuais.

(CIÇA GUEDES, DÉBORA FAJARDO, PAULO PEIXOTO, LÉO GERCHMANN, LUIZ FRANCISCO, GABRIELA ATHIAS)


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