São Paulo, quarta-feira, 14 de agosto de 2002

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URBANIDADE

Escola da vida

Vincenzo Scarpellini
DIA DO PAI Num shopping, uma vedete atraiu uma pequena multidão de pais e filhos ao assinar sua foto na capa da "Playboy". A precariedade do assunto desaconselha juízos categóricos. Todavia parece, em versão familiar, higienizada, a mesma busca pelo corpo despido que acontece em certos bares da cidade. Só que aqui os corpos, anônimos, são velados de resignada indulgência (VINCENZO SCARPELLINI)

GILBERTO DIMENSTEIN
COLUNISTA DA FOLHA

Um grupo de pais de classe média programou para hoje uma visita inusual, possivelmente inédita, a uma favela: eles vão conhecer as instalações onde seus filhos, acostumados a todos os confortos domésticos, vão morar por uma semana. "Alguns pais estão inseguros, é natural que isso ocorra em tempos de tanta violência", comenta a professora Fabiana Aparecida Martins, que vai dormir na favela em companhia dos estudantes.
Fabiana, porém, está tranquila. A experiência vai ocorrer, na próxima semana, na favela Horizonte Azul, localizada numa área de manancial próxima à represa Guarapiranga, apaziguada por um contínuo trabalho comunitário desenvolvido pela Associação Monte Azul.
Com programas educativos e de geração de renda, a Monte Azul consegue reduzir os níveis de violência e, em especial, de delinquência juvenil -daí ter-se tornado referência mundial. Inicialmente bancados com recursos da Alemanha, os projetos viraram tema de estudos até para os policiais, intrigados com o fato de que, nas áreas em que a associação atua, apesar da pobreza comum da periferia, o crime organizado não impera.
Morar numa favela foi um dos meios que a Escola Waldorf de São Paulo encontrou para levar seus alunos, geralmente protegidos nos condomínios e distantes das ruas, a fazer uma imersão na realidade brasileira. A proposta de residência faz parte do curso de ética, um módulo que dura um ano. "A idéia é fazer com que os jovens se insiram no cotidiano das pessoas. Vão sentir -não pelos livros, mas pela própria pele- o que é conviver com os problemas de falta de saneamento básico, lazer, saúde, educação", comenta Fabiana.
A idéia é que, durante o dia, os alunos realizem programas de melhorias da favela (trabalhem na horta, por exemplo), sirvam de monitores na escola pública e, à noite, discutam com os jovens dali perspectivas de vida. Eles serão convidados a perceber o ambiente degradado que leva à marginalidade e como, naquele local, se consegue inverter a tendência natural à violência.
Em apenas uma semana, aqueles estudantes provavelmente vão aprender o que, como se vê nestas eleições, muito político ainda não aprendeu: a violência é provocada não pela pobreza, mas pela sensação de anonimato, de não se sentir parte de uma comunidade.

E-mail - gdimen@uol.com.br


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