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PASQUALE CIPRO NETO
"Exceto os decorrentes de uso indevido"
Neste espaço, já tratei
várias vezes de problemas
relativos à coerência e à coesão
textual, assunto presente nos vestibulares mais importantes do
país. Nesses exames, têm-se incluído inúmeras questões em que
se pede aos candidatos a identificação de trechos de textos em que
há contradições entre o que se
quer dizer e o que efetivamente se
diz. Também se pede aos alunos
que reescrevam os fragmentos em
que há esse tipo de problema.
Há algum tempo, o vestibular
da Unicamp pediu aos candidatos que identificassem a contradição presente neste trecho do "Termo de Garantia" de um equipamento eletrônico:
"A empresa garante este produto por 12 meses contra todos os defeitos de fabricação, exceto os decorrentes de uso indevido".
Vou dar uma pista. Releia o
fragmento, se for preciso, e analise
cuidadosamente o papel da preposição "exceto". E então? Essa
palavrinha causa algum "ruído",
ou seja, alguma contradição?
Causa, sim. O papel de "exceto"
é excluir alguém ou algo do universo anteriormente citado.
Quando se diz, por exemplo, que
o técnico poderá contar com todos os jogadores, exceto Fulano
de Tal, sabe-se que esse atleta integra o elenco daquele time e que
ele é o único que o treinador não
poderá escalar naquela partida.
Agora, relacione o exemplo que
acabei de dar com o do trecho do
termo de garantia. Já sabe qual é
o "ruído" que a palavra "exceto"
causa ali? Vamos lá: quando se
diz "contra todos os defeitos de fabricação, exceto...", o que vem depois de "exceto" deve necessariamente fazer parte do universo anterior ("defeitos de fabricação").
Será que "defeitos decorrentes
de uso indevido" fazem parte do
universo de defeitos de fabricação? Certamente, não. Um defeito
decorrente de uso indevido é, por
exemplo, o que ocorre quando se
conecta um aparelho à rede elétrica sem ajustar o seletor de voltagem. Contra esse defeito, não
costuma haver garantia.
A intenção do redator certamente foi dizer que defeitos decorrentes de uso indevido não são
cobertos pela garantia, mas não
foi o que ocorreu. A contradição
de que fala a questão está justamente no fato de que, lido literalmente, o texto faz um tipo de defeito pertencer a um universo do
qual, na verdade, não faz parte.
Definitivamente, defeitos de fabricação e defeitos decorrentes de
uso indevido não pertencem ao
mesmo universo.
Agora, é preciso reescrever o trecho. Que fazer? A tarefa não é difícil, desde que não se queira estabelecer relações que não existem.
Por falar em "relações", não custa
lembrar que não é à toa que as
preposições integram o grupo das
palavras relacionais.
Atrevo-me, agora, a sugerir estas soluções (entre tantas possíveis): "A empresa garante este
produto por 12 meses contra todos
os defeitos de fabricação. Não há
garantia contra defeitos decorrentes de uso indevido"; "A empresa garante este produto (...) de
fabricação. A empresa não se responsabiliza por defeitos decorrentes de uso indevido"; "A empresa
(...) de fabricação. Defeitos decorrentes de uso indevido não são cobertos pela garantia". É isso.
Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras.
E-mail - inculta@uol.com.br
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