São Paulo, sábado, 14 de agosto de 2004

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REFAVELA

Moradias, bares, garagens e até igreja evangélica são improvisados dentro dos condomínios criados nas gestões Maluf e Pitta

Barracos e puxadinhos invadem Cingapuras

VICTOR RAMOS
DA REPORTAGEM LOCAL

A favela pulou o muro e invadiu conjuntos habitacionais do projeto Cingapura, criados pela Prefeitura de São Paulo para substituir barracos por prédios. Moradias, garagens e até uma igreja estão sendo improvisadas com madeira, chapas de aço e telhas na área interna dos condomínios.
A Folha percorreu nos últimos dias sete unidades do projeto, criado nas administrações Paulo Maluf (1993-1996) e Celso Pitta (1997-2000). Em todas elas, o cenário se repetiu. Nas áreas públicas dos condomínios, barracos se amontoam, disputando espaços.
O processo de favelização dos conjuntos habitacionais, segundo especialistas, é provocado pelas falhas no projeto dos condomínios e pela ausência do poder público (leia texto na pág. C3).
O Cingapura foi uma das principais bandeiras das gestões Maluf e Pitta. O projeto visava a verticalização e a urbanização de favelas, criando áreas de convivência.
O que pode ser verificado, no entanto, é que essas áreas estão sendo ocupadas por novos barracos, que são construídos imediatamente ao lado dos prédios.
Em um Cingapura no bairro do Butantã (zona oeste) já são pelo menos 15 destinados a moradia na área do condomínio. Rosana de Paula Batista, 32, disse ter gasto R$ 2.600 em materiais de construção, principalmente madeira, para fazer sua nova casa próxima à da sua mãe, que vive em um dos apartamentos regulares.
"O meu aluguel estava três meses atrasado. Como minha mãe mora aqui, fiz meu barraco em frente", afirmou Batista. Ela disse que, junto com seus vizinhos, fez ligações de encanamento com a rede de esgoto do condomínio.
"Esse lugar estava abandonado, criando rato. Acho até bom que tenha gente morando", afirmou Carlos Claudino de Melo, 45, síndico de um dos prédios do conjunto, ao comentar a instalação dos barracos.
Dentro do Cingapura Jaguaré (zona oeste), a situação não é muito diferente. São garagens, uma quitanda e uma vendinha de doces, que pertence a Tereza Maria de Jesus, 53. "Eu tinha um comércio na favela, que perdi quando ganhei o apartamento. Arrumei madeira e fiz minha loja aqui", relatou.
Adão Barbosa, líder comunitário do Cingapura Zaki Narchi (zona norte), tem opinião diferente sobre os barracos. Onde mora, os "puxadinhos" com garagens improvisadas, que vão de ponta a ponta no condomínio, são vistos da rua. "A gente sabe que é garagem, mas quem passa lá fora pensa que é favela."
Há diversos exemplos nos outros conjuntos visitados. Em um deles, na Casa Verde (zona norte), existe um barraco que virou sede de uma igreja evangélica, depois de ser usado como depósito por alguns anos. A moradora Cleudina Menezes, 56, conta que os cultos acontecem pelo menos cinco vezes por semana no local.
São comuns, também, os pequenos bares adaptados. "É onde a gente se diverte aqui perto", disse Claudio Antonio, morador de um apartamento, que diz que a lista de utilidades dos barracos "é grande". "Tem até barbearia."


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