São Paulo, Sábado, 14 de Agosto de 1999
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LETRAS JURÍDICAS

Ensino jurídico: 500 anos depois

WALTER CENEVIVA
da Equipe de Articulistas

O ensino jurídico brasileiro tem apenas 172 anos, pois somente a partir de 11 de agosto de 1827 se instalou o primeiro curso na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, em São Paulo. Seguiu-se a ela a instalação da Faculdade de Olinda. Antes da Independência, todos os advogados eram homens e formados, sobretudo, na Universidade de Coimbra.
Os monarcas portugueses tinham todo o interesse em manter a sociedade da Colônia dependente da Metrópole e o mais distante possível de qualquer instituição superior de ensino.
Por isso os juristas que fizeram a Constituição imperial de 1824 tinham formação portuguesa. Na América espanhola foi diferente, porquanto muitas escolas foram abertas no período colonial. O ensino jurídico em Coimbra era de boa qualidade, mas compunha um dos elementos afirmadores do direito português e da predominância de seu império. Angola e Moçambique, muitos anos depois da Independência brasileira, continuaram a receber o mesmo tratamento dos governos lusitanos.
A literatura jurídica vinha em linguagem rebuscada, inacessível ao povo em geral. A aula era muitas vezes confundida com certames de oratória, brilhante nos primeiros dias, mas cada vez mais cansativa ao longo do curso. Esse modo de ver o ensino demorou muito a acabar e ainda era encontrado, no Largo de São Francisco, nos anos 50, quando ali estudei.
A lei de 11 de agosto de 1827 tratou igualmente São Paulo e Olinda, criando nove cargos de professor titular. Nas escolas pioneiras e nas que vieram logo depois, a relação mais frequente entre o professor e o aluno tendia a ser rigidamente vertical, sem liberdade para discutir as informações vindas da cátedra, mas permitiu o surgimento de bons juristas. Mesmo assim, porém, a evolução, até a primeira metade do século 20, foi lenta. Progressiva, é verdade, mas sem alteração substancial.


O número de escolas é excessivo. O mercado de trabalho jurídico não absorve os formados. Na segunda metade deste século surgiram a quantificação e, como dado mais expressivo, o crescimento da participação feminina nos cursos e nas profissões jurídicas. A explosão numérica teve como fator decisivo a industrializaç ão do ensino, a partir de 1964. Tudo se facilitou aos empreendedor es, saltando as três faculdades existentes no Estado de São Paulo para quase 15 vezes mais. Abriu ensejo à formatura sem informação suficiente para milhares de estudantes, submetidos a improvisados corpos docentes.
A facilidade industrial (diz-se que a faculdade precisa de sala, cadeira, quadro negro e giz) ampliou os quadros docentes, muitas vezes compostos por gente sem outra capacitação que o diploma, a aceitação de salários pífios e de disciplina nos horários.
O rumo do futuro não é claro. O número de escolas é excessivo. O mercado de trabalho jurídico não absorve os formados. Entre 1930 e 1970 inscreveram-se na OAB cerca de 190 mil advogados. O número mais que dobrou nos 25 anos seguintes, havendo 140 mil em São Paulo.
O exame de ordem, que acolheu perto de 15 mil candidatos este ano, na OAB/ SP, tende a dificultar - o que é bom - a transformação do bacharel inapto no advogado incompetente. Nas carreiras públicas os concursos de ingresso afastam disputantes sem preparo. Nem todos, porém. O ensino, no próximo século, terá de satisfazer a qualidade exigida pelo mercado, para profissionais confiáveis, quanto ao conhecimento técnico, mas providos da cultura geral, que faz muita falta na atualidade.


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