São Paulo, domingo, 14 de setembro de 1997.



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ANÁLISE
Causa é desconhecida; efeito é notório

RICARDO BONALUME NETO
enviado especial ao Rio

Ninguém sabe com certeza o que causa o fenômeno climático conhecido como El Niño, manifestado principalmente pelo aquecimento da água ao longo da costa oeste sul-americana. Ele surge de uma complexa interação da atmosfera e dos oceanos, mediados pelo calor solar. Mas se a causa é debatida, os seus efeitos em todo o mundo são conhecidos, assim como o tamanho do fenômeno. Este mês a água do mar que banha o Peru está em média 5º C acima da média.
Fazer isso equivale a uma quantidade de energia difícil de acreditar ou de imaginar. Pesquisadores do Cptec (Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos) do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) fizeram um cálculo para ter uma idéia da dimensão do aquecimento.
Eles calcularam quanto custaria mudar em apenas 1º C a temperatura de uma "fatia" do mar, um paralelepípedo de 5.000 km de extensão e 1.500 km de largura por apenas 100 m de profundidade.
Segundo Gilvan Sampaio de Oliveira, coordenador da Divisão Operacional de Clima do Cptec, a energia gerada seria equivalente a mil vezes o que a usina hidrelétrica de Itaipu produz por ano.
A energia se mede em joules. Essa mudança de temperatura no mar equivale a 10 elevado à vigésima potência joules, isto é, 10 seguido de 20 zeros. Itaipu produz na ordem de "meros" 10 elevado à 17 (10 seguido de 17 zeros) joules de energia por ano, diz Gilvan.
Para fazer cálculos sobre o comportamento do clima nos próximos meses os cientistas precisam ter uma boa máquina de calcular (um supercomputador), um modelo matemático que misture bem os ventos com as correntes marinhas com a luz solar e o papel das nuvens, e dados, muitos dados.
Supercomputadores são as máquinas mais poderosas que existem, capazes de fazer cálculos em velocidades muito altas, da ordem de um bilhão de operações por segundo. O desempenho individual tem aumentado muito -em cinco anos, a capacidade dessas máquinas aumentou em cerca de dez vezes.
Mas a previsão de tempo exige bem mais. Ela começa com a coleta de dados básicos em uma escala global: temperatura, ventos, pressão e umidade.
As fontes são as mais variadas, desde bóias marítimas, balões de sondagem ou plataformas de coletas de dados e satélites artificiais. No Pacífico, essas fontes são mais precisas que no Atlântico Sul -por isso um projeto internacional envolvendo instituições de pesquisa de Brasil (notadamente USP e Inpe), França e EUA, conhecido pela sigla "Pirata", vai instalar sensores no mar entre o Nordeste e a África.
Os dados obtidos são checados e, já depurados de erros, são levados ao supercomputador. Um modelo numérico utilizando equações complexas faz o relacionamento dos dados entre si, para prever como o sistema se comportará no futuro. Os cálculos obtidos são transformados, por exemplo, em imagens.
Demorou para o Brasil ter supercomputadores porque esse tipo de máquina também é importante para a fabricação precisa de armamento nuclear. Os EUA, principalmente, tentam policiar o resto do planeta para evitar a "proliferação" de armas e de seus vetores, como mísseis balísticos. Para comprar o próximo supercomputador não se prevê nenhum problema político desse tipo.
"Ninguém mais perde fim de semana lá no Inpe", brinca Gilvan. É possível fazer previsões mais do que razoáveis sobre o tempo dos próximos dias. Mas quando se fala de meses, um dos poucos casos de previsões bem sucedidas tem sido aquelas referentes ao El Niño.







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