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São Paulo, domingo, 14 de setembro de 2003

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Duração e falta de continuidade são consideradas falhas

DA SUCURSAL DO RIO

DA REPORTAGEM LOCAL

Apesar de ter o mérito de trazer o problema do analfabetismo para a discussão nacional, o programa Brasil Alfabetizado não passa de uma campanha para mostrar números à sociedade.
Além disso, o pagamento por cabeça e a exigência de 90% de frequência por parte dos alunos mercantiliza e pode prejudicar o processo de aprendizagem em regiões onde quem precisa aprender a ler e escrever também precisa se ausentar da sala de aula por muitos dias para trabalhar.
A opinião é da superintendente-executiva e coordenadora nacional da Alfabetização Solidária, Regina Esteves, e da pró-reitora da Universidade Estadual da Paraíba, que mantém parceria com a ONG, Eliane Moura da Silva.
"Vai haver uma caça por analfabetos", diz Silva. "Nenhum alfabetizador vai querer perder dinheiro, por isso, se o aluno precisar ficar um mês fora do curso, vai ser substituído", defende Esteves.
Entre os outros pontos do projeto que são criticados estão a descentralização da sua execução, sem o suporte de uma proposta clara do que o governo entende por alfabetização; a formação apressada de alfabetizadores; a precariedade da avaliação dos resultados dos cursos; e a falta de preocupação com o posterior encaminhamento dos recém-alfabetizados ao sistema público de ensino, para continuar a estudar.
"Defendemos a diversidade de metodologia, mas é preciso seguir uma mesma concepção do que é alfabetizar. Isso não está claro no governo", diz Esteves. "É uma campanha de massa [o Brasil Alfabetizado]. Se diferencia de um projeto porque é efêmera, assistemática e quantitativa. Está fadada ao fracasso", afirma Silva.
"Não concordo que não exista uma orientação pedagógica do programa", afirma Maria Alice de Paula Santos, coordenadora do Movimento de Educação de Jovens e Adultos do Instituto Paulo Freire. Segundo ela, no material enviado pelo MEC aos conveniados, há indicação dos princípios norteadores do projeto: a sociolinguística, a psicolinguística e o diálogo. "Não está explícito, mas está lá", completa Santos.

Continuidade
Ela concorda, porém, que a proposta do governo deveria prever a continuidade do aprendizado. "Apesar de representantes do ministério defenderem publicamente a idéia, ela não está escrita em nenhum documento do projeto."
A pesquisadora em educação Dolores Kappel tem opinião semelhante. Para ela, a idéia de erradicar o analfabetismo é nobre, mas é preciso garantir que o alfabetizado não esqueça o que aprendeu no curso.
"Ser alfabetizado é o direito número um do cidadão brasileiro. O que me preocupa é saber como o governo vai atingir toda essa clientela e garantir que, no futuro, eles não voltem a ser analfabetos."
Ela afirma que será preciso dar continuidade aos estudos dos recém-alfabetizados. "As pessoas podem aprender e desaprender. No sentido mais rústico, o analfabetismo já foi resolvido em vários países. O que se discute hoje é o conceito de alfabetização mais amplo, quando a pessoa consegue completar ao menos a quarta série do ensino fundamental."

Duração e qualidade
Outra crítica é a duração dos cursos. "É impossível para alunos que nunca tiveram contato com as letras se alfabetizar em seis meses", diz Santos. A ex-deputada federal pelo PT, Esther Grossi, coordenadora de pesquisa do Geempa (Grupo de Estudos Sobre Educação, Metodologia de Pesquisa e Ação, um dos conveniados do MEC), não concorda.
"O mais importante é a qualidade do ensino. É preciso saber qual a teoria que vai ser aplicada. As pessoas acham que é preciso muito tempo, mas o método do Geempa já comprovou que é possível alfabetizar em três meses."
Elvira Souza Lima, consultora de secretarias da Educação, diz que o principal gargalo de programas de alfabetização no país é a formação dos educadores. "Parte do princípio que quem é alfabetizado sabe alfabetizar. E sabemos que não é assim", afirma.


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