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DANUZA LEÃO
Gatos e gente
Nunca pensei que os gateiros fossem tão unidos; recebi
muitos, muitos, mas muitos e-mails, e como não dá para
responder, tantos eles são, vai daqui um beijo meu, de Haroldo
e de Dinorah.
Fiquei surpresa, sobretudo, com
um pensamento comum aos que
amam os gatos: são todos a favor
da adoção de um gatinho desamparado, e segundo os entendidos,
a escolha deve ser determinada
não pela aparência física, mas pela compatibilidade; afinal, estamos falando de um parceiro afetuoso com quem se pretende partilhar o resto da vida.
A partir daí, comecei a conversar com pessoas não necessariamente gateiras, para entender esse amor desmesurado, e fui
aprendendo muitas coisas.
Nós -humanos ou não- precisamos de carinho, não só de receber, como também de dar. Mas
aquela liberdade de poder abraçar, beijar cada dedinho do pé, o
cangote, olhar nos olhos e dizer
"eu te adoro, você é minha paixão", sacudindo as duas mãozinhas, só se pode fazer com os bebês. As crianças crescem, vão ficando mais arredias, e por mais
que um filho adolescente nos
ame, dificilmente vai se aconchegar nos nossos braços para ver um
filme na TV, ou ficar quietinho
enquanto a gente lê um livro ou
fala bobagens fazendo um cafuné
ou brincando com os pelinhos do
seu braço. E quanto mais eles
crescem, pior é.
Dizem os conhecedores da espécie humana que isso tem a ver
com o início da sexualidade, mas
penso que tem a ver também com
nossa cultura, que é tirana: adultos só podem se derreter com
crianças muito pequenas. A partir do momento em que começam
a crescer, os pais, pensando na
disciplina e no respeito, perdem a
espontaneidade e a liberdade de
botar a criança no colo e dizer,
despudoradamente, o quanto a
ama; e alguma criança já crescidinha vai deixar? Um certo distanciamento físico começa a permear as relações, e quando a gente quer segurá-la, na maioria das
vezes, elas fogem.
Não existe maior comunicação
entre as pessoas do que por meio
do contato da pele. Só assim podemos sentir ou passar, de verdade, a dor, a amizade, a paixão.
Há quem diga que nós, seres
humanos, precisaríamos dar (e
receber) quatro abraços por dia;
aquele abraço bom, apertado,
caloroso, verdadeiro, não obrigatoriamente de amor. Quantos
você deu hoje? Pior: há quanto
tempo você não dá e não recebe
nenhum?
Os adultos apaixonados também não se sentem livres para ficar tocando o ser amado, passando a mão na perna ou brincando
com a pontinha da orelha. Talvez
por medo de demonstrar demais
seu afeto, talvez porque o outro
não goste, o fato é que a aproximação física só começa, praticamente, na pré-cama (e depois
muitos dormem ou se comportam
como se estivessem num escritório, o que deveria ser punido com
fuzilamento sumário). Quem você conhece que fica passando os
dedos durante horas, de leve, na
mão da namorada? E o medo de
parecer ridículo, de ela pensar
que a parada está ganha, do
pavor do que os outros possam
achar? E o pior: de se mostrar
apaixonado, que a maioria prefere evitar?
É por essa necessidade de dar e
receber carinho que muitas pessoas elegem um gatinho para poderem coçar a cabeça e a barriguinha durante horas e dizer várias vezes seguidas "eu te amo de
paixão", sem se achar ridículo (de
preferência, sem ninguém por
perto). Eles são tudo que se pode
querer, mas vamos reconhecer
que são abusados: costumam
usar nossa mão como travesseiro
e ficam dormindo de pernas para
o ar, enquanto nós, babacas apaixonados, não nos movemos para
não perturbar o sono deles.
E folgados: se estiverem brincando e a gente chamar, não estão
nem aí (mas a gente os ama assim
mesmo).
O escultor Giacometti disse
uma vez que, entre salvar a vida
de um só gato ou todas as obras
de arte do mundo inteiro, ele salvaria a vida do gato.
Eu espero nunca ter que fazer
essa escolha.
E-mail - danuza.leao@uol.com.br
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