São Paulo, quarta-feira, 14 de setembro de 2005

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"Ninguém mais tem coragem de entrar na casa", diz garoto

DANIELA TÓFOLI
DA REPORTAGEM LOCAL

A casa da família Yonekura, bem no início da rua Gaturamos, Vila Nova Curuçá, bairro pobre da zona leste, é grande e bem cuidada, mas nunca chamou a atenção de quem passava pela calçada. Os moradores, o casal Tadashi e Futaba e o filho Nilton, também não. Eram de pouca conversa com vizinhos, não freqüentavam festas e quase nunca recebiam visita. Reservados como costumam ser os japoneses, ao cruzar com algum conhecido agiam com simpatia mas sem intimidade.
Tanto que um dos únicos vizinhos que conheciam a casa é Pedro (nome fictício), 12, jardineiro eventual da família. Uma vez por mês ele ganhava R$ 10 e vários pirulitos de Tadashi para cortar a grama, recolher folhas secas e arrancar o mato do jardim de entrada. "Eles gostavam muito das plantas. Ia lá, fazia meu trabalho e só entrava na sala quando acabava", conta o garoto. "Mas não tem nada chique lá não, era uma casa comum como as outras."
A casa era comum porque agora, acredita Pedro, ela está assombrada. "Depois do que aconteceu aí, ninguém mais tem coragem de entrar." O menino viu de perto o horror da chacina onde, além de Nilton e do casal, morreram a filha e a nora, que tinham chegado do Japão. Ele ajudou um colega e uma vizinha a socorrerem o bebê de 11 meses, neto dos Yonekura, que sobreviveu ao crime. Agora, não consegue mais entrar na casa.
 

Folha - Como você ficou sabendo do crime?
Pedro -
A vizinha começou a gritar que tinha uma casa pegando fogo. Quando a gente viu, era a do Tadashi. O portão estava trancado e tiveram de pular o muro.

Folha - Você também pulou?
Pedro -
Não, fiquei em cima dele. Estava escuro e só dava para ver muito fogo. Meu amigo pulou e, de repente, me deu o bebê para segurar. Ele chorava muito e passei logo para outra vizinha, que foi cuidar dele.

Folha - Deu para ver algum corpo na casa?
Pedro -
Só vi o do pai do bebê, que agora está no hospital. Ele estava todo amarrado. Foi horrível, nem dá para lembrar daquilo tudo. Desde aquela noite só vejo o jardim pelo portão.
Os amigos de futebol de rua também não se atrevem mais a pular o muro para pegar a bola que insiste em cair no jardim. Ontem, o grupo levou mais de 40 minutos para pegá-la com uma pá de lixo. "Fiquei com medo da casa e não passo mais à noite aqui", afirma João (nome fictício), 8. "Desde domingo venho todo dia ver o que está acontecendo."
O casal Cleide dos Santos e Daniel Antônio foi, de moto, do centro à zona leste porque não acreditava que os clientes tinham sido assassinados. "Somos entregadores de revistas e, todo mês, vínhamos trazer uma sobre carros, uma feminina e outra sobre a comunidade japonesa. Eles eram assinantes havia muitos anos", diz Cleide. "A dona Futaba sempre foi educada, incapaz de fazer mal a alguém. Ainda não acredito que fizeram tanta crueldade com eles."
No mercado Dias, os funcionários também estão chocados e com medo de falar. Maria, que não quis dizer o sobrenome, conta que, a cada dez dias, o casal ia até lá com Nilton, mas nunca fazia compras exageradas. "Eles eram calados, não sabia nem que tinham mais filhos no Japão."
A vizinha Letícia Emília de Souza, 43, também não. "Eles eram tranqüilos. Dona Futaba saía de manhã com o Nilton para trabalhar e só chegava no fim do dia. O marido dela era aposentado e não saía de casa." Também não costumavam passear. "Eles estão aqui há uns dez anos mas nunca entrei na casa. De vez em quando a gente via o filho lavando o carro e só."
O Gol prata de Nilton continua na garagem, assim como as roupas no varal. O quarteirão da casa segue sem luz. Dois dias antes do crime, roubaram o fio e quebraram as lâmpadas. Os vizinhos não acreditam em coincidência.


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