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"Ninguém mais tem coragem de entrar na casa", diz garoto
DANIELA TÓFOLI
DA REPORTAGEM LOCAL
A casa da família Yonekura,
bem no início da rua Gaturamos,
Vila Nova Curuçá, bairro pobre
da zona leste, é grande e bem cuidada, mas nunca chamou a atenção de quem passava pela calçada.
Os moradores, o casal Tadashi e
Futaba e o filho Nilton, também
não. Eram de pouca conversa
com vizinhos, não freqüentavam
festas e quase nunca recebiam visita. Reservados como costumam
ser os japoneses, ao cruzar com
algum conhecido agiam com simpatia mas sem intimidade.
Tanto que um dos únicos vizinhos que conheciam a casa é Pedro (nome fictício), 12, jardineiro
eventual da família. Uma vez por
mês ele ganhava R$ 10 e vários pirulitos de Tadashi para cortar a
grama, recolher folhas secas e arrancar o mato do jardim de entrada. "Eles gostavam muito das
plantas. Ia lá, fazia meu trabalho e
só entrava na sala quando acabava", conta o garoto. "Mas não tem
nada chique lá não, era uma casa
comum como as outras."
A casa era comum porque agora, acredita Pedro, ela está assombrada. "Depois do que aconteceu
aí, ninguém mais tem coragem de
entrar." O menino viu de perto o
horror da chacina onde, além de
Nilton e do casal, morreram a filha e a nora, que tinham chegado
do Japão. Ele ajudou um colega e
uma vizinha a socorrerem o bebê
de 11 meses, neto dos Yonekura,
que sobreviveu ao crime. Agora,
não consegue mais entrar na casa.
Folha - Como você ficou sabendo
do crime?
Pedro - A vizinha começou a gritar que tinha uma casa pegando
fogo. Quando a gente viu, era a do
Tadashi. O portão estava trancado e tiveram de pular o muro.
Folha - Você também pulou?
Pedro - Não, fiquei em cima dele.
Estava escuro e só dava para ver
muito fogo. Meu amigo pulou e,
de repente, me deu o bebê para segurar. Ele chorava muito e passei
logo para outra vizinha, que foi
cuidar dele.
Folha - Deu para ver algum corpo
na casa?
Pedro - Só vi o do pai do bebê,
que agora está no hospital. Ele estava todo amarrado. Foi horrível,
nem dá para lembrar daquilo tudo. Desde aquela noite só vejo o
jardim pelo portão.
Os amigos de futebol de rua
também não se atrevem mais a
pular o muro para pegar a bola
que insiste em cair no jardim. Ontem, o grupo levou mais de 40 minutos para pegá-la com uma pá
de lixo. "Fiquei com medo da casa
e não passo mais à noite aqui",
afirma João (nome fictício), 8.
"Desde domingo venho todo dia
ver o que está acontecendo."
O casal Cleide dos Santos e Daniel Antônio foi, de moto, do centro à zona leste porque não acreditava que os clientes tinham sido
assassinados. "Somos entregadores de revistas e, todo mês, vínhamos trazer uma sobre carros, uma
feminina e outra sobre a comunidade japonesa. Eles eram assinantes havia muitos anos", diz Cleide.
"A dona Futaba sempre foi educada, incapaz de fazer mal a alguém. Ainda não acredito que fizeram tanta crueldade com eles."
No mercado Dias, os funcionários também estão chocados e
com medo de falar. Maria, que
não quis dizer o sobrenome, conta que, a cada dez dias, o casal ia
até lá com Nilton, mas nunca fazia
compras exageradas. "Eles eram
calados, não sabia nem que tinham mais filhos no Japão."
A vizinha Letícia Emília de Souza, 43, também não. "Eles eram
tranqüilos. Dona Futaba saía de
manhã com o Nilton para trabalhar e só chegava no fim do dia. O
marido dela era aposentado e não
saía de casa." Também não costumavam passear. "Eles estão aqui
há uns dez anos mas nunca entrei
na casa. De vez em quando a gente via o filho lavando o carro e só."
O Gol prata de Nilton continua
na garagem, assim como as roupas no varal. O quarteirão da casa
segue sem luz. Dois dias antes do
crime, roubaram o fio e quebraram as lâmpadas. Os vizinhos não
acreditam em coincidência.
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