São Paulo, quinta-feira, 14 de novembro de 2002

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TRANSPORTE

Zarattini desmente explicação anterior e usa brecha em decreto para bancar salários de motoristas de ônibus

Secretário repassou R$ 1 milhão a viações

ALENCAR IZIDORO
DA REPORTAGEM LOCAL

O secretário dos Transportes de São Paulo, Carlos Zarattini, voltou atrás ontem em sua justificativa para a transferência de R$ 665 mil às contas de duas empresas de ônibus em agosto deste ano. Ele afirmou ter cometido um erro em sua explicação anterior, divulgada em nota oficial à imprensa, e admitiu ter repassado R$ 1,044 milhão -e não R$ 665 mil- para quatro viações -e não duas- com a intenção de pagar os salários de motoristas e cobradores.
Zarattini utilizou um novo argumento para justificar a suposta legalidade da operação: uma brecha no decreto nš 42.184, publicado por Marta Suplicy em julho deste ano, permitiria à prefeitura socorrer as empresas em dificuldades -desde que, para tanto, a SPTrans (São Paulo Transporte, órgão municipal que cuida do setor) utilizasse a verba acumulada com multas e retenções.
O decreto citado por Zarattini afirma que a receita descontada das empresas de ônibus por irregularidades na prestação do serviço seria revertida para investimentos no sistema de transporte, como a requalificação dos trabalhadores, a modernização tecnológica, a implantação de catracas eletrônicas, a construção de terminais, as melhorias das vias e a aquisição de veículos à frota.
Um parágrafo do texto faz um adendo: "Os saldos financeiros da conta [...] poderão ser utilizados na gestão financeira do sistema de transporte, desde que tal não comprometa os investimentos previstos neste decreto". Esse trecho foi a base usada pela prefeitura para a transferência de R$ 1,044 milhão -embora os demais investimentos citados no decreto não tenham sido concretizados.
A denúncia de que Zarattini teria repassado dinheiro de forma irregular às viações partiu de William Ali Chaim, militante ligado ao alto escalão do PT e presidente do grupo de ônibus Romero Niquini, que teve os contratos rompidos pela SPTrans em setembro por irregularidades na prestação de contas da arrecadação.
Segundo Chaim, foram depositados R$ 265 mil na conta da viação Santa Bárbara, de Niquini, e R$ 400 mil na da Cidade Tiradentes, de Leonardo Capuano, para pagar os salários nas viações Santo Amaro e Ibirapuera, controladas por Capuano, mas que Niquini pretendia comprar. A transferência dos R$ 665 mil facilitaria a compra pretendida por Niquini.
Em sua primeira explicação para justificar a operação, comprovada por extratos bancários, Zarattini alegava que a verba se referia às multas aplicadas e devolvidas porque havia recursos para anulá-las. A Folha mostrou ontem que esse procedimento era irregular, já que as normas da SPTrans indicavam que a devolução do dinheiro das multas só pode acontecer depois do julgamento do recurso. "A nota realmente tinha um erro", afirmou Zarattini.
O comunicado divulgado na última segunda-feira também informava que os R$ 665 mil já tinham retornado aos cofres da prefeitura. Ontem, Zarattini corrigiu a informação. "Só uma parte já voltou. Não sei dizer quanto."

Critério
O R$ 1,044 milhão transferido às empresas de ônibus no dia 13 de agosto, segundo Zarattini, havia entrado na conta da SPTrans no dia 8, quando as viações sofreram desconto pela não-renovação da frota, conforme previsto em contrato. Ele disse que a verba foi repassada às viações Santo Amaro, Ibirapuera, Cidade Tiradentes e Santa Bárbara.
"O repasse teve como critério as empresas que estavam com dificuldade de pagar salário", afirmou Zarattini. A Santo Amaro e a Ibirapuera, do empresário Capuano, estavam paradas havia quase uma semana. O secretário deixou dúvidas, porém, sobre a ajuda à Cidade Tiradentes e principalmente à Santa Bárbara, de Niquini, que não estava em greve e cujos trabalhadores, segundo a empresa, já haviam sido pagos.
"Ela [Santa Bárbara] estava com dificuldades e iria parar depois. Não foi dinheiro para ninguém comprar empresa de ninguém", disse Zarattini. Chaim, que comandava a viação na época, nega a versão. "Eu repassei os R$ 265 mil ao Leonardo [Capuano]. Você acha que, se estivesse com problemas na Santa Bárbara, daria esse dinheiro para outro grupo?", questiona Chaim, para quem a transação foi feita para facilitar a compra das viações Santo Amaro e Ibirapuera pelo grupo Niquini.


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