São Paulo, segunda-feira, 14 de novembro de 2005

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HABITAÇÃO

João de Arruda, 66, mora entre as pistas do Tietê em casa de madeira

Ex-servidor vive sob ponte na marginal há 35 anos

JOSÉ EDUARDO RONDON
DA AGÊNCIA FOLHA

ROGÉRIO CASSIMIRO
REPÓRTER-FOTOGRÁFICO

O trânsito ininterrupto dos veículos que trafegam pelas pistas da marginal do rio Tietê é, para um morador de São Paulo, a principal paisagem de sua vida. João de Arruda, 66, ex-servidor municipal, mora há 35 anos sob a ponte do Limão, na zona norte da capital.
Atualmente, ele vive em um pequeno cômodo de madeira, ao lado das pilastras da ponte, no canteiro que separa as pistas expressas e local, em uma das vias mais movimentadas do país. Cerca de 700 mil veículos transitam pela marginal diariamente.
No primeiro contato, um pouco arredio no início, sentado em um banco de madeira perto da casa, Arruda afirmou que chegou à ponte em 1970, após a morte de sua primeira mulher, Hermita Rosa, então com 25 anos.
Naquele ano, morador do bairro da Casa Verde (zona norte da cidade), Arruda abandonou a casa do sogro, onde vivia com quatro filhos, e começou a habitar um vão sob a ponte.
"Trabalhava aqui na região como funcionário da prefeitura, varrendo ruas. Achei esse buraco e resolvi vir para cá. A morte da minha mulher mexeu muito comigo. Naquela época, não estava bem da cabeça."
O vão serviu de moradia até há cerca de dois anos, quando, em razão de uma obra na ponte, funcionários da prefeitura disseram que ele teria de deixar o local. "Eles próprios me ajudaram a construir essa casa", disse.
É difícil ouvir sua fala. Há muito barulho. Os carros e caminhões trafegam a menos de três metros da porta da casa. "Já me acostumei. De uns tempos para cá, o trânsito aqui na marginal aumentou muito. Mas já fui muito feliz nesse pedaço."
Para ele, o melhor período sob a ponte foi de 1980 a 1995, quando viveu com a segunda mulher, Rosa de Lima, que morreu em 1995, aos 40 anos. Era diabética. "Éramos felizes, à nossa maneira, mas éramos. Sinto muito a falta dela."
Com dificuldades para se locomover, o morador da marginal afirmou que, até 1999, sempre trabalhou. "Varri ruas, trabalhei como engarrafador de bebidas e pintor de paredes. Mas tive um problema na coluna, me deram uma injeção e hoje quase não consigo andar", disse.
Além da dificuldade de locomoção -caminha com a ajuda de uma bengala-, Arruda tem insuficiência respiratória, possivelmente por estar exposto 24 horas à poluição do local.

Casa azul
A pequena casa, construída com pedaços de madeira, na cor azul, chama a atenção dos motoristas que passam apressados pelo trecho da marginal.
O "imóvel" despertou o interesse da gerente de contas Rogéria Farinha Aguiar, 40, que ajuda Arruda a conseguir uma transferência para uma casa de repouso.
"Eu sempre passava por lá a caminho do trabalho. Fiquei curiosa em saber quem morava na casa", disse Aguiar. A gerente, então, no dia 7 de agosto, em companhia de uma amiga, resolveu ir até a casa para levar bolo, refrigerante e café.
"Eu não sabia quem morava ali. Quando eu bati na porta, saiu o "seu" João. Fiquei encantada por ele. Parecia um Papai Noel."
"Ela foi enviada por Nossa Senhora para me ajudar", afirmou o morador, emocionado, quando se referiu a Aguiar.

Mudanças
Dentro do pequeno cômodo, sentado em sua cama, ao lado de duas imagens de Nossa Senhora Aparecida e de um circulador de ar, emprestado por Aguiar, Arruda disse que, após a inesperada visita da gerente de contas, sua vida começou a mudar.
"Ela me ajudou a tirar meu CIC [CPF, Cadastro de Pessoa Física] e conseguiu que eu recebesse também o auxílio-idoso [R$ 300] do governo federal."
O principal objetivo de Aguiar agora é viabilizar a tão sonhada transferência de "seu" João para a casa de repouso.
Por causa da possível mudança, que ainda está sendo negociada, Arruda enviou ao Centro de Zoonoses seus companheiros de muitos anos. "Tinha 13 cachorros aqui. Mas, como vou mudar, tive de me desfazer deles. Doeu muito." Dois cães ainda permanecem na casa, fazendo companhia ao ex-servidor.


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