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HABITAÇÃO
João de Arruda, 66, mora entre as pistas do Tietê em casa de madeira
Ex-servidor vive sob ponte na marginal há 35 anos
JOSÉ EDUARDO RONDON
DA AGÊNCIA FOLHA
ROGÉRIO CASSIMIRO
REPÓRTER-FOTOGRÁFICO
O trânsito ininterrupto dos veículos que trafegam pelas pistas da
marginal do rio Tietê é, para um
morador de São Paulo, a principal
paisagem de sua vida. João de Arruda, 66, ex-servidor municipal,
mora há 35 anos sob a ponte do
Limão, na zona norte da capital.
Atualmente, ele vive em um pequeno cômodo de madeira, ao lado das pilastras da ponte, no canteiro que separa as pistas expressas e local, em uma das vias mais
movimentadas do país. Cerca de
700 mil veículos transitam pela
marginal diariamente.
No primeiro contato, um pouco
arredio no início, sentado em um
banco de madeira perto da casa,
Arruda afirmou que chegou à
ponte em 1970, após a morte de
sua primeira mulher, Hermita
Rosa, então com 25 anos.
Naquele ano, morador do bairro da Casa Verde (zona norte da
cidade), Arruda abandonou a casa do sogro, onde vivia com quatro filhos, e começou a habitar um
vão sob a ponte.
"Trabalhava aqui na região como funcionário da prefeitura,
varrendo ruas. Achei esse buraco
e resolvi vir para cá. A morte da
minha mulher mexeu muito comigo. Naquela época, não estava
bem da cabeça."
O vão serviu de moradia até há
cerca de dois anos, quando, em
razão de uma obra na ponte, funcionários da prefeitura disseram
que ele teria de deixar o local.
"Eles próprios me ajudaram a
construir essa casa", disse.
É difícil ouvir sua fala. Há muito
barulho. Os carros e caminhões
trafegam a menos de três metros
da porta da casa. "Já me acostumei. De uns tempos para cá, o
trânsito aqui na marginal aumentou muito. Mas já fui muito feliz
nesse pedaço."
Para ele, o melhor período sob a
ponte foi de 1980 a 1995, quando
viveu com a segunda mulher, Rosa de Lima, que morreu em 1995,
aos 40 anos. Era diabética. "Éramos felizes, à nossa maneira, mas
éramos. Sinto muito a falta dela."
Com dificuldades para se locomover, o morador da marginal
afirmou que, até 1999, sempre trabalhou. "Varri ruas, trabalhei como engarrafador de bebidas e
pintor de paredes. Mas tive um
problema na coluna, me deram
uma injeção e hoje quase não
consigo andar", disse.
Além da dificuldade de locomoção -caminha com a ajuda de
uma bengala-, Arruda tem insuficiência respiratória, possivelmente por estar exposto 24 horas
à poluição do local.
Casa azul
A pequena casa, construída
com pedaços de madeira, na cor
azul, chama a atenção dos motoristas que passam apressados pelo
trecho da marginal.
O "imóvel" despertou o interesse da gerente de contas Rogéria
Farinha Aguiar, 40, que ajuda Arruda a conseguir uma transferência para uma casa de repouso.
"Eu sempre passava por lá a caminho do trabalho. Fiquei curiosa em saber quem morava na casa", disse Aguiar. A gerente, então, no dia 7 de agosto, em companhia de uma amiga, resolveu ir
até a casa para levar bolo, refrigerante e café.
"Eu não sabia quem morava ali.
Quando eu bati na porta, saiu o
"seu" João. Fiquei encantada por
ele. Parecia um Papai Noel."
"Ela foi enviada por Nossa Senhora para me ajudar", afirmou o
morador, emocionado, quando
se referiu a Aguiar.
Mudanças
Dentro do pequeno cômodo,
sentado em sua cama, ao lado de
duas imagens de Nossa Senhora
Aparecida e de um circulador de
ar, emprestado por Aguiar, Arruda disse que, após a inesperada visita da gerente de contas, sua vida
começou a mudar.
"Ela me ajudou a tirar meu CIC
[CPF, Cadastro de Pessoa Física] e
conseguiu que eu recebesse também o auxílio-idoso [R$ 300] do
governo federal."
O principal objetivo de Aguiar
agora é viabilizar a tão sonhada
transferência de "seu" João para a
casa de repouso.
Por causa da possível mudança,
que ainda está sendo negociada,
Arruda enviou ao Centro de Zoonoses seus companheiros de muitos anos. "Tinha 13 cachorros
aqui. Mas, como vou mudar, tive
de me desfazer deles. Doeu muito." Dois cães ainda permanecem
na casa, fazendo companhia ao
ex-servidor.
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