São Paulo, sábado, 14 de dezembro de 2002

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LETRAS JURÍDICAS

O problema do menor é cada vez maior

WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA

A União, o Distrito Federal e os Estados podem expedir leis a respeito de medidas que resguardem o ser humano desde o nascimento. A proteção efetiva dispensada à infância e à juventude é prevista desde o atendimento em creche até o direito à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária da criança e do adolescente, além de colocá-las a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
É muito provável que o leitor não relacionado com a profissão jurídica esteja pensando que descambei para o reino da fantasia, ao alinhar tantos direitos da criança e do jovem. Pois saiba que o parágrafo anterior foi extraído quase por inteiro da Constituição. Define deveres da família, da sociedade e do poder público para a realização dos objetivos indicados. Confira nos artigos 24 (inciso XV), 208 (inciso IV) e 227, impondo o dever de assegurar o cumprimento dessas normas da Carta Magna.
Além de disposições constitucionais, há leis ordinárias acrescentando outros dispositivos, destinados ao mesmo fim. O quadro é ruim na prática, mas seria injusto não reconhecer que, apesar do crescimento populacional e da concentração urbana, tem havido progresso. Insuficiente, mas progresso.
Problema sério é o de saber se a Febem -cujos defeitos gritantes, de notícia recentíssima vinda de Franco da Rocha (SP), com denúncias de violência contra os internos- deve ser mantida ou se, tendo fracassado na defesa do bem-estar do menor (é o dever definido em seu nome), melhor será substituí-la por outras instituições, com pessoal habilitado a preservar os valores constitucionais e legais indicados.
O Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgar o habeas corpus nº 81.519, sendo relator o ministro Celso de Mello, reconheceu que o Estado enfrenta dificuldades intransponíveis. O pedido foi formulado em nome de menor mantido na cadeia pública de sua cidade, e não no regime semi-aberto, previsto em lei, no qual pudesse ser submetido a tratamento social e educacional de recuperação. O menor praticou homicídio qualificado, ou seja, matou a vítima com uma das agravantes indicadas no parágrafo 2º do artigo 121 do Código Penal. Se fosse maior, o crime resultaria em até 30 anos de prisão. O habeas corpus foi indeferido, mantendo-se o menor na cadeia local, destinada aos maiores de idade.
Como isso foi possível? Simples: na cidade não havia estabelecimento apto para o cumprimento da lei. Por outro lado, a semiliberdade pretendida pela defesa envolvia riscos em face das condições em que o delito havia sido cometido. Não tenho informação a respeito, mas é provável que o regime de semiliberdade fosse perigoso para a sobrevivência do menor. A segunda turma do Supremo Tribunal Federal admitiu que ele continuasse retido na cadeia pública, mesmo isolado, sem a companhia de adultos. Nesse caso e em virtude da situação especial encontrada na localidade, o STF concluiu pela legalidade da solução.
A impossibilidade material vivida pelo poder público inviabilizou outro caminho para o caso, que, contudo, se repete em muitas cidades, numa falha coletiva contra os preceitos constitucionais referidos de início. Por essa e por outras, o problema do menor tende a ser cada vez maior.


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